The Sound of Silence
Nos últimos tempos a rapariga do segundo andar tem tocado no seu contrabaixo, o som propaga-se até à minha sala, e fico ali a ouvir, é um privilégio que me encanta e me transporta para outros lugares, o som baila de lá para cá, fascina-me o serpentear das notas, a cadência de cada pausa, e o meu corpo agradece, sinto-me em paz, uma paz que me apazigua, como se uma mão gigante pairasse e me desse colo, num embalo leve de aconchego. Vou e venho sem sair daqui. A música tem aquela magia que já tenho saudades de sentir, numa cadeira a olhar o palco. Mesmo que eu não saiba interpretar uma pauta, nem uma clave de Fá, acordo a perceber que tudo se entende.
O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.
Fiama Hasse Pais Brandão, in As Fábulas