Um copo de vinho
e um trompete
Ilustração Nelly Tsenova
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Ilustração Nelly Tsenova
- Fazes-me fazer com cada figura.
Alice Alfazema
Quando eu era miúda morava por cima dum Wine Bars. Assomava-me à varanda para ver os bêbados passarem, uns cantavam, outros gritavam, os mais trágicos vomitavam. Os ziguezagues eram uma delicia, e eu sempre na expectativa do primeiro tombo, mas eles aguentavam, eram marinheiros valentes, cavalgavam as ondas do álcool como quem faz surf. Por vezes as mulheres iam buscá-los ao Wine Bars, era uma tarefa difícil, demorada, agitada e cambaleante.
Entre o tinto e o branco haviam cartadas e discussões sobre futebol e gajas boas. O Wine era retirado directamente da pipa para o copo, quem queria uma litrada levava a garrafa de vidro e era só encher. Para mim entrar no Wine Bars era uma tarefa penosa, mas tinha que ser e o que tem de ser tem muita força. Houve um dia em que fui buscar uma litrada, cheguei rapidamente ao balcão e queria sair ainda mais depressa do que entrei. Lembrava-me que havia vinho branco, mas não me lembrava qual a designação do outro, então disparei: Bom-dia! Quero um litro de vinho preto...Pronto aquilo ficou para todo o sempre. Ainda hoje estou traumatizada.
Alice Alfazema
Vinho faz perdoar a pena de viver.
Bebe vinho! Vinho cor de rubi, vinho cor-de-rosa, vinho cor de sangue!
Bebe vinho!
Tens muitos séculos para dormir.
Vinho é amargo? Não importa! Tem o gosto da vida!
Todos os reinos por uma taça de vinho precioso.
Todos os livros e toda ciência dos homens por um perfume suave de vinho.
Todos os hinos de amor pela canção do vinho que corre.
Toda a glória de Feridoum pelos reflexos do vinho na ânfora.
Bebo o vinho que me oferece uma linda rapariga e não cuido de minha salvação.
Sempre ouço dissertar sobre os gozos reservados aos eleitos, limitando-me a dizer:
Só tenho confiança no vinho.
Bebe vinho!
Só ele te dará a mocidade, ele é a vida eterna.
Bebe um pouco de vinho porque dormirás muito tempo,
debaixo da terra, sem amigo, sem camarada, sem mulher.
Nosso amigo mais velho é o vinho mais novo.
O vinho destrói os cuidados que nos atormentam e nos dá a quietude perfeita.
Ouço dizer que os amantes do vinho serão castigados no inferno.
Se os que amam o vinho e o amor vão para o inferno o paraíso deve estar vazio.
Vinho! Eis o remédio que carece o meu coração doente.
Vinho com perfume almiscarado! Vinho cor-de-rosa!
Dá-me vinho para apagar o incêndio da minha tristeza.
Bebe e esquece que o punho da tristeza breve te derrubará.
Vinho! Vinho em torrentes! Que ele palpite em minha veias.
Que ele borbulhe em minha cabeça!
Quando bebo, ouço mesmo o que não me pode dizer a minha bem amada!
Mais vale uma ânfora de vinho do que o poder, a glória e as riquezas.
O vinho libertar-te-á das névoas do passado e das brumas do fututro.
O vinho inundar-te-á de luz, livrando-te dos grilhões de prisioneiro.
Quando Deus me criou sabia que eu beberia vinho.
Se me tornasse abstêmio, sua ciência estaria errada.
Trazei-me todo o vinho do Universo!
Meu coração tem tantas feridas!…
O vinho proporciona aos sábios uma embriaguez semelhante à dos eleitos.
Dá-nos a mocidade, restitui-nos o que perdêramos, põe ao nosso alcance tudo o que desejamos.
O vinho queima como torrente de fogo,
mas, às vezes, tem sobre as nossas mágoas o efeito da água pura e fresca.
Poema de Omar Khayyan
Alice Alfazema