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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Daqui até ao Natal -25

12
Set24

IMG_20240912_202457.jpgA perspectiva é uma coisa marada, o que no passado parecia mau, tornou-se no presente  algo maravilhoso, útil, gratificante e deveras terapêutico. Quando fui obrigada, pela minha avó Carolina, a aprender a fazer croché, era para me manter sossegada e não pedir para ir brincar para a rua, e se não fizesse como deve ser toca a desmanchar até ficar no mínimo razoável, só que isso, significava não cometer quase nenhum erro, depressa aprendi que era mais fácil fazer bem do que aldrabar para me despachar a apresentar obra, e em ficando a Mestra satisfeita, era saída na certa.

Na actualidade esta prática salva-me do stress, de pensamentos pesados e dá-me ânimo para um novo dia.  E para mais, sinto-me acompanhada, tal como a Isabel quando faz arroz doce. 

 

Daqui até ao Natal -23

10
Set24

IMG_20240910_125029.jpg

Por onde andei, o dia hoje esteve para o fresco, o céu apresentou-se azul, e a maior parte das árvores erguiam os ramos ao alto, tal como numa prece, ergo eu também os olhos ao alto, numa prece de gratidão por poder desfrutar do momento, é assim basicamente que rezo, e acreditem há que me critique, como se repetir e repetir palavras fosse de mais valor. 

Se amássemos em uníssono a Natureza, o que de mal podería acontecer?

 

Onde os frutos maduram:
sal e sol em minhas veias
luz e mel em boca alheia.

Onde plantei
a alta acácia das febres
eu mesmo me deitei,
para ser a raiz da semente,
e da madeira e seiva
se fez o meu corpo.

Agora,
Chove dentro de mim,
em minhas folhas se demoram gotas,
suspensas entre um e outro Sol.

Em mim pousam
cantos e sombras
e eu não sei
se são aves ou palavras.

Mia Couto, in “Vagas e Lumes”

IMG_20240910_125039.jpg 

Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,
de céu e de lua mais do que na escola.

No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra, esquecida no tronco das árvores só serve para poesia.

No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão
se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os
lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com as borboletas.

Manoel de Barros, in “Poesias Completas”

 

Poemas retirados de   

(um projeto que é uma agradável surpresa)

Daqui até ao Natal -16

04
Set24

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mais importante que ter uma memória é ter uma mesa
mais importante que já ter amado um dia é ter uma mesa sólida
uma mesa que é como uma cama diurna
com seu coração de árvore, de floresta
é importante em matéria de amor não meter os pés pelas mãos
mas mais importante é ter uma mesa
porque uma mesa é uma espécie de chão que apoia
os que ainda não caíram de vez

Ana Martins Marques


Dou por mim a pensar se reconheceria as vozes que outrora me chamaram, ou até os rostos, é inevitável a perda da memória à medida que o tempo nos afasta das pessoas vividas, então de repente ao virar de uma esquina, lá está um corpo parecido, vestimenta e corte de cabelo idêntico, aquela pele fininha e coberta de manchas castanhas da idade, e fico ali parada, a disfarçar que estou a olhar um pormenor qualquer, remexo a mala e ajeito os óculos de sol, dou novamente uns passos e olho para trás, um pensamento idiota vem-me à mente: e se eu lhe pedisse para lhe dar um abraço será que me deixava fazê-lo? Depressa se desfez o pensamento, começo novamente a andar, não olho mais para trás, mas arrependo-me, de não ter tido a ousadia suficiente.