Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Tapetes celestiais debruados a verde magia

da saga: uma caminhada por dia

26
Fev21

Sempre imaginei o musgo como um lugar mágico, onde habitam criaturas pequeninas, tão pequeninas que não conseguem ser vistas a olho nu. É um tapete aveludado que cresce com muita paciência. Frágil e de verdes luxuriosos, dão-nos a perspectiva ilusória de como somos gigantes. No fim, vendo bem a coisa somos um pedaço de musgo neste gigantesco universo. 

musgo.jpg

Morri pela Beleza - mas mal me tinha
Acomodado à Campa
Quando Alguém que morreu pela Verdade,
Da Casa do lado -

Perguntou baixinho "Por que morreste?"
"Pela Beleza", respondi -
"E eu - pela Verdade - Ambas são iguais -
E nós também, somos Irmãos", disse Ele -

E assim, como parentes próximos, uma Noite -
Falámos de uma Casa para outra -
Até que o Musgo nos chegou aos lábios -
E cobriu - os nossos nomes -

Emily Dickinson, in Poemas e Cartas, tradução de Nuno Júdice.

 

 

5 Km

da saga: uma caminhada por dia

24
Fev21

caminho.jpg

 

Qualquer caminho leva a toda a parte.

Qualquer ponto é o centro do infinito.

E por isso, qualquer que seja a arte

De ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,

Tudo é estático e morto. Só a ilusão

Tem passado e futuro, e nela erramos.

Não há estrada senão na sensação

É só através de nós que caminhamos.

 

Tenhamos pra nós mesmos a verdade

De aceitar a ilusão como real

Sem dar crédito à sua realidade.

E, eternos viajantes, sem ideal

Salvo nunca parar, dentro de nós,

Consigamos a viagem sempre nada

Outros eternamente, e sempre sós;

Nossa própria viagem é viajante e estrada.

 

Que importa que a verdade da nossa alma

Seja ainda mentira, e nada seja

A sensação, e essa certeza calma

De nada haver, em nós ou fora, seja

Inutilmente a nossa consciência?

Faça-se a absurda viagem sem razão.

Porque a única verdade é a consciência

E a consciência é ainda uma ilusão.

 

E se há nisto um segredo e uma verdade

Os deuses ou destinos que a demonstrem

Do outro lado da realidade,

Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem.

O caminho é de âmbito maior

Que a aparência visível do que está fora,

Excede de todos nós o exterior

Não para como as coisas, nem tem hora.

 

Ciência? Consciência? Pó que a estrada deixa

E é a própria estrada, sem a estrada ser.

É absurda a oração, absurda a queixa.

Resignar(-se) é tão falso como ter.

Coexistir? Com quem, se estamos sós?

Quem sabe? Sabe [...] que são?

Quantos cabemos dentro em nós?

Ir é ser. Não parar é ter razão.

 

Poema de Fernando Pessoa