A memória inverte processos. Esquecida, deixa entrar quem quiser, fazer o que não deve, gostar daquilo que não devia.
Há muitos anos eu trabalhava nove horas diárias. O tempo da minha primeira licença de maternidade foi de três meses e meio. Depois desse tempo o meu filho foi para o infantário. Ainda me lembro do primeiro dia. De deixá-lo, embrulhado num xaile branco, às sete da manhã, tão pequenino. Redução de horário por maternidade, uma hora. Com o tempo as condições de vida foram melhorando, houve redução de horário laboral, aumentou o tempo da licença de maternidade, entre muitas outras coisas. Como e quem fez esta mudança? Foram as lutas dos trabalhadores, de uma indústria que já não existe em Portugal, os trabalhadores das fábricas que fecharam, aquelas que migraram para outros países, depois de usufruírem ao máximo daquilo que queriam. Hoje já esquecidos.
Quando olho e leio a análise de conteúdo, daquilo que se diz e escreve por aí, noto que realmente a memória é frágil, tal como uma porcelana fina.
A individualidade instalou-se com medo do plágio, no entanto a unidade é que levou à conquista destes bens que, ainda, usufruímos. Pensamentos dispersos dividem. Há, ainda, um saber que não foi descoberto, que existe naqueles que já viveram mais que nós. Há agora a sensação que já se sabe tudo. Mas é só a sensação, essa personalidade sem corpo. Será que é por falarmos muito bem, escrevermos preciosamente, com as virgulas nos sítios certos que sabemos mais que os outros? Há um preconceito generalizado entre gerações, entre classes e géneros.
A memória, fina porcelana, depois de partida nada há a fazer.
Renegar o saber é como renegar a origem. Parece que não temos História que nascemos agora, é certo que o mundo está em mudança, mas isso não implica abandonar o que se sabe. Por isso a insatisfação geral alastra, ninguém sabe aonde pertence. A memória esquecida. Na Natureza há um fio condutor que ensina. O nosso onde está? Para onde foi? Quem o partiu?
Alice Alfazema