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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Cabeça

15
Out22

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Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntar o que significam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.
 
Poema de Nuno Júdice 

11
Mar22

IMG_20220226_111741.jpg

 
escrevo-te deste tempo ausente
com pupilas dilatadas.
escrevo-te quase só, exausto,
quase cego, quase louco.
ninguém escuta a minha voz sobre as ruínas,
o grito, a dor, nada.
há um poema que atravessa os muros,
um nó que se aperta na garganta,
um silêncio que entardece
quando todos partem.
sou, talvez, um caminhante solitário
pelas estrelas sem nome.
aquele que caminha quando todos dormem
fechando todas as portas
que o tempo não apaga.
 
Poema Paulo Eduardo Campos
 
Escrevo deste tempo em que tínhamos quase tudo para começarmos um mundo melhor. No entanto, no dia a dia a Paz não é interessante o suficiente para que haja ambição para o fazer. 
Escrevo deste tempo que continua como há cem anos em que a coragem de fazer a guerra vive encavalitada na mentira, podíamos até parodiar as cinco horas de conversações entre os dois velhos ursos, qual marretas num qualquer camarote de um teatro famoso, dois velhos que se aproximam do final, caquécticos e loucos julgando-se poderosos, quem protege os loucos? deste tempo que vos escrevo, quem lhes dá o poder, quem lhes irá retirá-lo? Deste tempo que vos escrevo espero não ter muito por recordar. 
 

Por estes dias já é Agosto outra vez

01
Ago18

Escrevi este texto neste blogue em Agosto de 2012. Passaram-se tantos dias desde então, no entanto continuo a gostar destas velhas palavras. Encontrei-as hoje ao acaso. Talvez hoje não as escrevesse assim. Lembro-me perfeitamente de quando as escrevi: estava sozinha, numa sala de aula vazia, e sentia o peso do silêncio e o vazio do espaço. Quando trabalhamos com muita gente é difícil preencher esse vazio, tanto nos sons como no espaço. Ficam as vozes durante muito tempo a habitar a nossa cabeça. 

 

Ilustração Norman Rockwell

 

 

 

Por estes dias a escola parece, assim à primeira vista, abandonada, no entanto, as pessoas continuam a entrar e a sair, não numa azafama, mas num passo mais descontraído.

 

Os pássaros, as formigas e as osgas tomam conta dos pátios, as aranhas apoderam-se dos tectos. É certo que os pássaros são em menor número, e que a alimentação que procuram é escassa. Por estas alturas não há restos de lanches deixados nos pátios, migalhas ou outros afins. Há um silêncio ensurdecedor, um calor sufocante, e imensas cadeiras vazias.  No entanto, parece que as conversas, os gritos e os risos ficaram no ar, parece que pairam esperando que alguém as transforme em som e alegria.

 

O vazio alastra, na tarde de Verão, os sons e as brincadeiras estão guardados no armário da memória, não tarda e aí estarão eles de volta ao pátio, às salas, às escadas, na fila do refeitório, na entrada. As bolas voarão tais como mísseis redondos e precisos (às vezes nem tanto), e vai chegar o tempo dos ralhetes, do refilanço, das angustias, dos amores e desamores.

 

E eles irão passar de meninos a adolescentes num ápice. 

 

De volta ao tempo, a mudez do som continua, alastrando consigo as memórias, os pássaros continuam procurando aqui e ali, as osgas escondem-se, e eu aqui, parece que fiquei presa nalguma saída do tempo.

 

 

 

Texto original aqui: A escola nas férias de Verão. Ou se preferirem...leiam nesta página.