Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Pela poesia se vai até à verdade

07
Dez23
 
 
Hoje, cá dentro, houve festa...

Alcatifei-me de veludo azul,
fiz pintar a Ternura os meus salões,
e pus cortinas de tule...

 

IMG_20231206_103351.jpg

Mas não chamei grandes orquestras
nem um clarim, a proclamá-la:
mandei tocar, em mim,
uma música assim de procissão
que levou os meus sentidos
a nem sequer se sentirem, de embevecidos...

 

IMG_20231206_110935.jpg

Hoje, cá dentro, houve festa...
E, se houve festa e veludos,
e musica azul, e tudo
quanto digo,
foi somente porque a Graça
desceu hoje a visitar-me. 

 

IMG_20231206_110953.jpg

E eu, que vivo de Infinito
as raras vezes que vivo;
eu, que me sinto cativo
no pouco espaço que habito,
onde a presença de dois,
por ser demais, me embaraça,
deixei logo o meu lugar,
para dar lugar à Graça.

 

IMG_20231206_111034.jpg

Não tinha pés: tinha passos;
não tinha boca: era beijos;
não tinha voz: era como
se o folhado e a maresia
se tivessem combinado
pra cantar «Ave, Maria...»

 

IMG_20231206_111040.jpg

Foi então que vivi; então que vi
os poucos metros que vão
da minha Serra às Estrelas:
é que eu, sendo tão pequeno
que nem às vezes me encontro,
andava ali a pairar,
e o meu fim estava nelas
e o meu princípio no Mar.

 

IMG_20231206_111058.jpg 

A Graça, cá dentro, era

a varinha de condão
que me guiava no Ar.
E que bem me conduzia!
Parecia que eu sentia
as mesmas ânsias e a alegria
da Noite quando, no ventre,
já sente os gritos do Dia.

 

IMG_20231206_111322.jpg

O poema é de Sebastião da Gama, o poeta da Serra da Arrábida, as fotografias foram tiradas por mim ontem na Serra.

Serra da Arrábida

Fotografia Artur Pastor poema de Sebastião da Gama

18
Jun20

portinhoda arrábida.jpg

 

Nada sabe do Mar

quem não morreu no Mar.

Calem-se os poetas

e digam só metade

os que andam sobre as ondas

suspensos por um fio.

 

portinhoda arrábida1.jpg

 

Sabe tudo do Mar

quem no Mar perdeu tudo.

Mas dorme lá no fundo,

tem os lábios selados,

e os olhos, reflectem

e claramente explicam

os mistérios do Mar,

para sempre fechados.

 

 

 

Fotografia Artur Pastor, Portinho da Arrábida décadas de 40/60, Serra da Arrábida, Setúbal. Poema, Inscrição de Sebastião da Gama.

Sem lamentos nem ais

26
Dez12

 

Os engenheiros vieram, mediram, olharam...
Havia árvores velhas...
Mandaram deitar abaixo
e os homens deitaram.

Sem lamentos, sem ais
as árvores caíram...
Mas os engenheiros não puseram mais;
em seu lugar apenas
três cardos enfezados refloriram.

E os cardos vis são gritos de revolta
das sombras errantes pelo Ar;
das sombras que tinham por abrigo
aqueles freixos antigos
que o machado foi matar.

As sombras gritam, mas os engenheiros 
não põem freixos novos no lugar.

 


Sebastião da Gama



Alice Alfazema