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Ilustração Andrea Calisi
Rio
manso
rio manso
vai tranquilo
rio manso, vai descendo
vai levando ao ribeirinho
água limpa e peixe bom
vai juntando olhos d’água
brilhando sob o ingazeiro
remanseando nas curvas
vai cansando, rio manso
banhando a indiferença
tragando as nossas sobras
nosso esgoto
nosso lixo
vai cansado
Vai minguando
rio manso
olhos d’água
soterrados
vai virando
um rego d’água
uma tripinha
uma coisica
de nada
rio manso.
Rio manso, vingador
a cachoeira de joelho
pede a Tupã e ao nosso senhor
chuva na cabeceira
chuva que nunca pare
chovendo o mês inteiro
dando largueza ao rio.
Rio monstro, vai crescendo arrastando
paus e pontes e barreiras, rio monstro
inundando casas, arrasando vilas, afogando gente e bicho
um cachorro lerdo, um vizinho displicente, a namorada, um parente
deixou rastro do inferno, lama, ratos e fedor, rio Estige, rio monstro
devastou meu gabinete, papéis, carimbos, promessas e assinaturas
meu ganho, minha usura, o que havia de melhor, regalias, sinecuras
farra e fama, minha arma e minha cama, minha crença e a alma que
eu não tinha, como pode, rio manso, foi vingança, rio monstro?
Poema de José Vecchi de Carvalho