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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

5º mês do ano - Maio

01
Mai17

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Nascem rosas, os pássaros namoram nos ramos do arvoredo. Os rios correm suaves: é Maio. As flores salpicam as bermas das estradas, o sol aquece a tristeza. Há muita cor no ar. Os Homens continuam iguais. 

 

É dia do trabalhador, de promoções nos supermercados, a corrida ao melhor preço, o alvoroço. A carnificina dos descontos. Que maravilha de compra, um bacalhau a metade do preço! Regado com azeite, com batata e ovo cozido. Os braços que cortaram as postas estão cansados do alvoroço, mas aguentam firmes ao carregarem no botão de corte. Trabalham à produção? Que maravilha é Maio!

 

 

Alice Alfazema

 

 

A lenda do entrecosto carnudo

27
Set16

No ano do senhor de MMXVI, uma lindíssima dama vai às compras ao hipermercado Continente, tinha na sua mente fazer uma gostosa sopa de feijão com carne e legumes para o jantar. Apressa-se então a chegar ao talho e olha a vitrine recheada de carnes e promoções, que poderiam transformar-se em manjares de deuses. Haviam costeletas de suíno, frango do campo, lombo de porco, codornizes, entremeada, bife de vaca...e eis que chega o rapagão do talho, dentro da sua farda de quase marinheiro, braços musculados e olhar catita. A dama diz-lhe então que quer entrecosto e pede-lhe para ele lhe mostrar um pedaço que estava na montra. Ele assim o fez. A dama vendo o pedaço de carne rapado até ao osso, diz-lhe que aquilo tem pouca carne. O rapaz olha-a com ar benevolente e diz-lhe, por isso é que se chama de entrecosto. Ela admirada com a resposta conta-lhe que antigamente o entrecosto tinha um pedaço de carne por cima do osso. O rapaz reflecte um pouco, dois segundos, e diz-lhe, às vezes temos aí, por acaso hoje não sei se tenho, um entrecosto carnudo...Quer levar deste? Não, diz-lhe a dama que não conhece o verdadeiro espírito do entrecosto carnudo, esse só tem osso, levo antes um pedaço de entremeada e um pouco de lombo. 

 

 

Alice Alfazema

Em fila

10
Jan14

 

 

Ela diz assim: olha tenho uma novidade para vos dar, já arranjei um part-time, vou fazer limpezas duas horas por dia, ganho dois euros e oitenta à hora, fica em cento e tal euros. Já é uma ajuda, há quem não tenha nada, é para pagar um pouco da renda, o ordenado não chega para as despesas. 

 

Eu poderia concordar, mas não concordo. Não concordo que se ganhe esta miséria e que ainda se ache que é uma sorte tê-la, porque infelizmente ainda há gente com menos. Não concordo que se ache fácil fazer limpezas. Não concordo com esta exploração porque sem dúvida as mulheres são as mais atingidas. Não concordo que as empresas exibam milhões sem demonstrarem como o conseguiram.

 

Parece que o país é agora uma enorme empresa, e que isto se estende pelo mundo fora. Afinal que fazemos nós aqui, em cima deste pedaço de terra? Para que servem enormidades de dinheiro para pouquíssimas pessoas? Como diria alguém que conheço, devem comê-lo várias vezes ao dia. A grandiosidade empresarial, a grandiosidade da globalização, a grandiosidade da fama, o prestígio, o fato à maneira, o sapato a brilhar, no entanto, no wc a merda que vai pela água abaixo. Talvez haja diferença na pressão da água, quanto ao resto a terra há-de comer.

 

Alice Alfazema