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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Os milagres também acontecem nos nossos quintais

14
Mai23

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HÁ ALGUNS ANOS, quando se vendeu aquela que foi a casa de verão da minha infância, onde a minha avó Maria era rainha de nós todos, ficaram memórias e pouco mais. As casas são quem está dentro delas, e quando essas pessoas desaparecem, as casas também morrem sem saber. Levam com elas os cheiros, os recantos onde aconteceram coisas que não voltam a acontecer, mas que darão lugar a que outras pessoas construam nela memórias novas, e que voltem a chamar casa àquele sítio que já não o é para quem um dia a deixou vazia. Naquele tempo que não volta a acontecer, os verões tinham mais do que três meses, eram do tamanho da minha infância toda, e cabiam lá bicicletas, jogos de futebol, o cheiro a figueira, joelhos esfolados, ladeiras que pareciam fáceis de subir, e amigos que eram só daquela altura do ano, até eu voltar para minha casa e esperar impacientemente que voltassem a ser meus amigos no ano seguinte. Vendeu-se a casa, e dividiram-se as memórias por todos, na esperança que trouxessem qualquer coisa daqueles tempos que não voltam a acontecer. Escolhi trazer de lá duas laranjeiras, por ainda estarem vivas no meio de tudo o resto. Tinha sido delas que a minha avó tinha colhido laranjas, mais tarde os meus pais fizeram o mesmo, e depois eu e a minha irmã, numa repetição que, sem saber, viria a fazer dela uma laranjeira genealógica da nossa família. Uma árvore com 70 anos não se deixa levar sem dar luta. As raízes estão firmes, e agarram-se como podem para não mudarem de terra. Por isso, arrancaram-se com o cuidado a que obriga uma operação delicada como esta, e os buracos enormes que deixaram na casa que era da minha avó, faziam parecer que ali tinha rebentado a terra, disposta a engolir quem se atrevesse a passar por cima dela.

As duas laranjeiras daquele tempo que não volta acontecer, vieram juntas na sua primeira viagem desde que nasceram, e foram plantadas no jardim da minha casa para começarem uma vida nova e antiga, tudo ao mesmo tempo. Passado um mês, percebi que uma delas tinha desistido; não aguentou as saudades da sua terra de sempre, e secou de tristeza. A outra sofreu tanto como a primeira, mas estava disposta a dar mais luta. A copa secou toda, e dava poucos sinais de querer começar tudo outra vez, 70 anos depois. Quando a vi deixar-se vencer, fui até um horto onde costumo ir, e perguntei à senhora que lá trabalha o que é que podia fazer para que aquela árvore conseguisse viver mais uns tempos, e contrariar-lhe o fim. Levei-lhe uma fotografia para mostrar o estado em que a laranjeira estava, e a senhora explicou-me que havia pouco ou nada a fazer, que uma árvore com tantos anos dificilmente aguenta tamanha violência. A fotografia mostrava um tronco a secar, mas no meio de tanto castanho, um ramo verde e frágil estava a nascer de lado, a querer empurrar a vida cá para fora. Aconselhou-me a cortar os ramos mais grossos que já estavam secos, e a tratar daquele verde com todo o cuidado, para ao menos ter algumas folhas e assim enganar o destino. Disse-me que aquela árvore já não iria dar mais frutos, e mesmo que desse, aquela qualidade de laranjas não tem caroço, e portanto não daria para semear e começar uma história nova, mas que se a árvore tinha uma importância tão grande para mim, que cuidasse dela enquanto ela se aguentasse. Fiz daquele ramo a árvore toda, e tratei-o como se fosse uma nova vida que tinha nascido para contrariar a antiga. O ramo foi crescendo, e foi-se fazendo forte. Dois anos mais tarde, numa manhã que parecia igual às outras, fui até ao jardim. Naquela laranjeira que estava cansada de me fazer a vontade, tinha nascido uma flor, e dessa flor, lá no meio, começava a crescer uma pequena laranja verde, do tamanho de um caroço de cereja. A generosidade da primavera é esta: salvar vidas que não lhe dizem respeito. Pedi por tudo para que o vento não levasse aquela promessa de gomo, para que crescesse e um dia se fizesse laranja da cor dela. No verão desse ano, a árvore que era da casa da minha avó, deu uma laranja na casa que é minha. Arranquei-a como se fosse eu outra vez naqueles verões que eram do tamanho do ano inteiro, e levei-a até à casa da minha mãe. Cortei-a em quatro, e comemos eu, a minha mãe, o meu pai, e a minha filha mais nova. Era ainda mais doce do que quando eu era pequeno, ou se calhar era eu a querer muito que assim fosse. Este ano, a laranjeira que é da família toda, tem muitas laranjas pequenas, do tamanho de muitos caroços de cereja. Não sei o que as espera, porque é muito peso para quem já andou tanto. Mas se esta árvore que era da casa da minha avó nos der aqueles frutos todos, havemos de brindar a quem já não o faz connosco.

E 70 anos depois, aquele tempo que não volta a acontecer, dos verões que não voltam a acontecer, há-de repetir-se enquanto houver gomos. 

Texto de Bruno Nogueira, na revista Sábado

Ontem, hoje, e amanhã

a vida acontece, também, nas coisas banais

04
Mai23

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Pode não parecer, mas estão seis pintos no meio destas mãos, a vida é algo surpreendente, e por estranho que possa acontecer quanto mais conhecemos mais surpreendidos ficamos, é interessante sentir que à medida que envelheço fisicamente, as minhas emoções voltam às sensações sentidas na infância, a alegria da descoberta, a vontade de querer aprender mais sem me importar grande coisa com as limitações, assim de repente fica a imagem de que a infância é uma preparação para a velhice, a vida de adulto é uma ideia intermédia que nem damos por acontecer, afinal o que tem importância maior?, um nascer do sol? ou um sol poente?, sendo que o último faz parte de um dia que já se viveu, enquanto o outro é a oportunidade. 
 
Não deixes o final do dia sem teres crescido um pouco,
sem seres feliz, sem teres aumentado os teus sonhos.
 

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Não te deixes vencer pelo desânimo,
não deixes ninguém tirar o direito de te expressares,
que é quase uma obrigação.
 

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Não abandones o desejo de tornar a tua vida extraordinária,
não pares de acreditar nas palavras e na poesia,
elas podem mudar o mundo.
 

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Não importa o que na nossa essência está intacta,
estamos cheios de seres de paixão,
e a vida é deserto e oásis,
nos derruba, nos fere,
nos ensina
ela nos faz protagonistas,
da nossa própria história.
 

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Embora o vento sopre contra,
o trabalho potente continua,
tu podes fazer uma estrofe,
nunca pares de sonhar,
porque os sonhos são do homem livre.
 

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Não caias num dos piores erros, o silêncio,
a maioria vive num silêncio terrível.
Não renuncies!
 

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Ouve!
 

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“Eu a emitir os meus uivos através do telhado do mundo”
diz o poeta.
 

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Aprecia a beleza das coisas simples,
tu podes fazer bela poesia sobre as pequenas coisas!
 

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Não podemos remar contra nós mesmos,
quem transforma a vida no inferno,
aproveita o pânico que provoca em ti,
tens a vida pela frente,
vive-la intensamente,
sem mediocridade.
 

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Tu achas que és o futuro,
enfrenta a tarefa com orgulho e sem medo,
aprende com aqueles que podem ensinar-te,
as experiências daqueles que nos precederam
nossos “poetas mortos”.
Ajudando-te a caminhar pela vida
a sociedade de hoje, nós que somos os “poetas vivos”.
Não deixes a vida passar por ti sem a vida!
 
 
Poema retirado de Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen, Walt Whitman, in Folhas de Erva (Relógio D'Água, 2003)
 
 
As fotografias foram colhidas junto à horta.

Maio maduro maio

o trabalho digno

01
Mai23

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Maio, maduro maio, vai quase a meio o ano de trabalho, o que fizemos (?), o que podemos ainda fazer(?), o que gostaríamos de fazer(?), o que ganharíamos se fizéssemos (?), o que não ganharíamos se o fizéssemos (?). Uma dimensão acre e doce, assim é o mundo do trabalho.

Uma parte do nosso dia é passado a trabalhar,  como tal é de grande importância a forma como vemos e vivemos o Trabalho na nossa vida. A forma de trabalhar sofreu grandes transformações ao longo dos tempos, de essencialmente manual o trabalho chega aos nossos dias bastante mecanizado, muitos deixaram de ter colegas de trabalho e passaram a ter máquinas como companheiros de jornada, talvez os dias se tenham tornado mais monótonos, silenciosos em vozes, mais acelerados na medida do tempo, quase sempre numa adaptação desigual entre a máquina e o humano. 

O que aprendemos hoje não nos dá para quase nada, ou ano, dois anos talvez, cinco no máximo, aquele conhecimento que dava para a vida toda acabou, porque o mundo do trabalho tornou-se global, assim como o conhecimento e a aprendizagem. 

 

Possivelmente a grande maioria das pessoas não encontra grande satisfação no trabalho, ou porque a novidade acabou e instalou-se a monotonia, ou porque se está insatisfeito com o salário ganho, ou porque não gosta dos colegas de trabalho, ou o chefe é insuportável, ou porque despende demasiado tempo no caminho percorrido da casa trabalho e trabalho casa, ou porque sente remorso e culpa de não ter tempo de qualidade para utilizar com a família e amigos, enfim cada qual em motivo da dimensão que dá ao trabalho poderá ter uma ou várias razões para se sentir insatisfeito com o trabalho que tem. 

Mas o que tem o trabalho em relação a um Maio maduro (?), o trabalho provoca na pessoa o amadurecimento que o mês de maio provoca no cereal, dá fruto, sempre dá fruto, mesmo que o fruto não seja doce e o esperado. Do trabalho nasce o caminho, e a importância dele é quase sempre uma escolha de cada um, dedicamos ao trabalho grande parte do nosso dia, portanto é um caminho obrigatório, dependemos dele para sobreviver e viver.

Será o trabalho um caminho largo ou apenas um carreiro estreito e sinuoso(?), depende muitas vezes da nossa condição mental, e da forma como decidimos vivê-lo. 

No começo desse caminho estamos nós a dar os primeiros passos, tal como crianças vamos a medo, fazendo pequenas e grandes descobertas, ao fim de algum tempo já não somos os mesmos e queremos mudar, porque aquilo já não nos satisfaz, porque aquilo já nada nos diz, porque queremos aprender e sentir outra vez o gosto da descoberta, e o que fazemos tantas vezes (?), ficamos ali, no mesmo caminho, sem sequer dar um passo para mudarmos. Não é sair da nossa zona de conforto, porque essa esbateu-se, mas é alargar essa zona de conforto, e como (?), fazendo formação, aprendendo novas matérias, descobrindo em nós novos desejos e habilidades, talvez concretizando um desejo antigo, e o que nos impede (?), são as vozes negativas que temos em nós, são as que escutamos dos outros, são as crenças que bebemos da sociedade, coisas vagas que se tornam grandes no  nosso subconsciente, e o que nos impede de continuarmos (?), a falta de acção concreta, não é tentar, é fazer, não é dizer, é fazer, não é culpar e desculpar, é agir, porque sou novo (?) e daí (?), a experiência é uma semente que cresce, porque sou velho (?), e daí (?), o que aprendeste tem ou não tem valor (?), porque sou pobre (?), e o conhecimento conhece pobres ou ricos (?), o que depende de ti não depende de outros, o que fazes por ti outros não farão.

Nunca é tarde para mudarmos de trabalho, mesmo que te digam que é ridículo não acredites, mesmo que te digam que já não tens idade para mudanças que implicam novos conhecimentos, isso é mentira, mesmo que insinuem que não vais conseguir, isso é pressupostos dos outros, mesmo que te digam que é difícil, isso já sabes, não é novidade, mesmo que relatem que o mundo agora é diferente, lembra-te: que tu também já não és mais o mesmo. Todos temos em nós os recursos necessários, não te limites, o trabalho é todo teu, o esforço é todo teu, a satisfação é impagável e será somente tua. 

Desejo-vos um excelente Maio, que ele seja prospero em ideias e projectos novos, tal como os campos precisam de ser lavrados para dar inicio ao plantio e colheita, também nós precisamos do conhecimento e da aprendizagem constante para darmos fruto e semente.