Resta muito pouco para que este ano se acabe, estive a ler de novo um texto que escrevi para o Delito de Opinião, a convite do Pedro Correia e que está em destaque no Sapoblogs, como um dos favoritos deste ano que se finda daqui a poucas horas, vou deixa-lo também aqui para que leiam e se sentem neste balancé:
Faz este ano precisamente dezassete anos que a minha mãe morreu, era Maio, o Dia da Mãe calhou num domingo dia sete e ela foi na terça dia nove. Foi levada pelo sono da tarde, nem uma expressão de dor, apenas ficou o frio extremo que eu jamais pensei existir.
Os meus avós eram pescadores, o meu pai também, pessoas habituadas ao risco e conhecedoras da morte. A minha mãe tinha uma doença incapacitante que a podia devorar a qualquer momento, no entanto ela era uma animadora de espíritos, isso fascinava-me. Como podemos viver em consciência lado a lado com a Vida e a Morte? Afinal não é isso o que fazemos todos os dias sem o notarmos? Sabemos apenas que existimos.
A consciência da sua finitude e uma fé imensa davam-lhe uma energia e um amor incondicional àquilo a que vulgarmente se chama de Amor pela Vida. A sua vontade férrea naquilo que queria conhecer, as coisas que não ficaram por dizer. Os abraços que demos e as vezes que chorámos como forma de alívio. Não deixámos nada para amanhã, foi tudo feito num hoje único. Vivemos coisas simples, apreciámos coisas simples, coisas banais, como o barulho da chuva, a cor de uma joaninha, a surpresa de ver a erva a crescer. Rimos muito, rimos quando havia motivo para rir e rimos também quando nos apetecia chorar, quando nos apetecia desistir.
A morte faz balancé na vida. Para cima, para baixo, para cima, para baixo, mais rápido, mais devagar, parado, a começar, a acabar. O que fizemos juntas nesse balancé ficou em mim, às vezes vem de mansinho, em sonhos, em cheiros, em paladares. Não são coisas palpáveis, são coisas minhas.
Tenho estado sentada aqui estes anos todos, no balancé feito de tábuas que encontrei por aí, a corda fi-la de muitos fios que vou juntando aqui e ali, por vezes remendo-a e volto a testa-la para ver se tem a força necessária para me suportar, lá em baixo existem pessoas, muitas, tantas que já nem sei os seus nomes, algumas foram-se como brisas, outras correram para outro lado, não empurrei nenhuma, apenas me afastei.
Há quem ande comigo neste balancé, quem me empurre quando estou em baixo e me leve às nuvens, me faça sorrir e há quem me dê abraços com braços que fui eu que os fiz. E aqui estou eu no meio do quintal, ou já perto do fim do terreno, quem sabe? Ninguém. O terreno é vermelho ou da cor que o fizeres. O terreno é teu e de mais ninguém, a não ser que o dispenses a outro aquilo que é teu.
Isto não é uma coisa triste ou alegre é o baloiçar.
As ilustrações são de Lisa Aisato.
Alice Alfazema