Se há coisa da qual não abdico é de fruta, todos os dias como fruta, gosto de ver as fruteiras cheias dando cor à cozinha, talvez goste menos de maçãs, a que chamo de pêros, para mim maçãs são as reinetas e as riscadinhas, tudo o resto são pêros. Comer fruta é um ritual mundano, que nos trás todo o sabor conseguido pelos raios de sol, acalenta o paladar, tranquiliza uma refeição, é tema de conversa, é prenda de amigos. Quanto melhor a fruta maior é a felicidade ao degustá-la. Gosto de comprá-la nos mercados onde existem pequenos produtores, e de conversar com as pessoas, e de ver o seu orgulho e o seu sorriso enquanto falam da sua fruta: prove, prove a ver se é boa. Falam como quem fala da família ou de alguém que gostam muito. É um carinho que dá gosto ver. E eu quando pego no saco cheio de fruta trago também comigo parte desse carinho. E os morangos sabem-me a Verão, a Sol, e a dias longos cheios de preguiça. Porque a preguiça tem um sabor especial, é aquele descanso que escolhemos, é aquela pausa que sabe bem, é coisa que alegra o corpo e faz bem ao espírito.
Imagino vales e planícies onde existem sombras frescas ao pé dos riachos, o cheiro a erva seca num fim de dia, o zumbido dos insectos no silêncio de uma tarde já morna. Eu sentada num degrau de pedra já gasta pelo tempo, a pedra já cheia de manchas de sumo doce de uma fruta suculenta e amadurecida pelo tempo. Risos, olhares, silêncios, cheiros, afagos.
Hoje quem vem cá beber um chá de violetas é a Sara, que não trouxe nem o sarin nem a lixívia, no entanto, veio carregadíssima com a sua boa disposição, frenética e contagiante, gargalhámos e vimos cinema, ainda ganhei uns presentes, mas mais não digo, vejam lá se tenho razão:
Olá, Alicinha, desculpa chegar tão tarde. Nem imaginas o que me aconteceu! Espera, deixa-me respirar um bocadinho, que já te conto…
Sabes lá! Acordei às 7 da manhã, muito feliz por ser o dia de vos visitar, a ti e ao Ginjas, e fui fazer um bolo maravilhoso, receita de família que pensei partilhar contigo depois de provares. A excitação era tanta que não parei de abrir o forno, a ver se o bolo estaria cozido. Resultado: o bolo não cresceu! Como ainda era cedo fiz outro. Mas desta vez não abri o forno, regulei o temporizador e só tirei o bolo quando tocou. Só que o diacho do temporizador enganou-se! Ou então o forno não aqueceu bem, talvez tenha entrado ar pelos buraquinhos dos pregos que coloquei a segurar a porta que caiu de tanto abre-e-fecha. Olha, não sei que máquina falhou, mas a verdade é que o bolo se desfez todo ao desenformar. Nem queiras saber, fiquei tão triste, Alicinha! E a pilha de nervos? “E agora, que levo eu à Alicinha?”, as horas a passar, os ovos a acabar… enfim, recorri à minha outra receita que faz sempre sucesso nas festas aonde compareço, de tal maneira que o guardam sempre para o fim. “É a jóia da coroa”, dizem-me, e não é para me gabar, mas deve ser mesmo verdade pois todos o dizem. Afinal, quem é que não gosta de um bonito bolo de chocolate, não é? Bom, Alicinha, revirei a despensa em busca das bolachas Maria e do tulicreme que tenho sempre de reserva para estas situações (são raras, mas vez ou outra…) e lá fiz o bolo, receita especial de flor com confettis, que fica ainda mais bonito - e tu mereces!
Bolo feito, arranjei-me com a minha melhor roupa e fiz-me ao caminho. A pé, pois faz bem caminhar e, sendo vizinhas, não demoraria muito a chegar. De qualquer maneira, com a azáfama nem tinha almoçado e começava a ter fome - que diabo, nunca é cedo entre amigas e tanto se lancha às 17 como às 15, verdade?
Mas oh, Alicinha! Hoje estás mesmo com azar! Então não é que fui atacada por um meliante e, ao tentar defender-me, o teu bolo me caiu ao chão?! Juro-te, Alicinha, se apanho aquele rato dou-lhe cá uma vassourada! Não pude dar cabo dele porque tinha as mãos ocupadas, se não teria sido na hora! Tu se o vires, Alicinha, tu tranca-te em casa e avisa-me, que o bicho é perigoso mas eu, estando com a fúria, sou ainda mais! Tu nunca me viste assim, Alicinha, mas fico com um ar tão ameaçador que o Ginjas, se me visse, desatava a ganir! Olha, para veres, o malandro do bicho começou a provar o teu rico bolinho e fugiu, tal o susto!
Depois disto ainda tentei encontrar qualquer coisita para te trazer, mas estava tudo fechado aqui na rua excepto a mercearia do Sr. Joaquim e ele também teve por lá uns problemas... Mas acredita que procurei qualquer coisinha, Alicinha, juro-te que procurei! E encontrei – mas não o que procurava. Olha, vê o vídeo e verás que revirei tudo - além de ficares a perceber porque é que trouxe um convidado.
Pois, como dizia… espera! Deixa-me ver esta mensagem, se não te importas… Ai, caramba, Alicinha, hoje estás mesmo com azar! Então não é que o artista que contratei afinal não pode vir?! Ah, não, espera, não vem, mas diz que mandou um substituto - vá lá, menos mal! Oh, Alicinha, não dizia que não ao chazinho enquanto apreciamos o espectáculo… estou ansiosa para o provar numa das tuas bonitas chávenas!
O teu chá estava mesmo muito bom, Alicinha! Foi uma pena o teu bolo… e as chávenas, mas na volta foi um favor que te fiz, não? Assim já tens uma desculpa para comprar um serviço novo… que eu ando mortinha por um com chávenas maiores, mas não tenho onde o arrumar. Olha, como gostas de coisas antigas, dou-te o meu, que era da minha tia-avó. Coisa antiga e de qualidade, comprado em 1977 numa das melhores casas à entrada de Badajoz! Só foi usado 3 vezes e sempre lavado à mão, está como novo - eu seja ceguinha se o vidro tiver um risquinho, podes acreditar no que te digo! Se quiseres, tu não te acanhes, Alicinha, tu não te acanhes e aceita, que é dado de coração!
E agora vou-me, Alicinha, que já vão sendo horas e tenho de ir limpar a cozinha… obrigada por este bocadinho, gostei muito de te visitar!
Nota: Nenhuma das situações referidas no texto tem qualquer relação, ainda que remota, com a realidade. No entanto, duas das frases têm aplicação muito real:
“obrigada por este bocadinho, gostei muito de te visitar!” porque me diverti a criar este postal, Alice, e espero que proporcione um agradável momento a quem passar. Para te compensar pelo bolo que não trouxe, deixo-te estas plantas virtuais que, por serem de Outono, se adaptam a esta Primavera virtual e “tu não te acanhes, Alicinha, tu não te acanhes e aceita, que é dado de coração!”
Obrigada Sara, gostei muito da tua visita e dessa tua boa energia que trouxestes até aqui.