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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Árvore de Natal

06
Dez22

Nossa Senhora do Silêncio

Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, folhejo-os então, como a um livro que se folheia e se torna a folhear sem ter mais que palavras inevitáveis. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou, realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho que eu sonhe?

Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil? Nunca é o mesmo, mas não muda nunca. E eu digo isto porque o sei, ainda que não saiba que o sei. Teu corpo? Nu é o mesmo que vestido, sentado está na mesma atitude do que quando deitado ou de pé. Que significa isto, que não significa nada?

 

Livro do Desassossego por Bernardo Soares

 

 

 

 

 

Morreu a Rainha

Isabel II

08
Set22

morreu a rainha.jpg Morreu a Rainha. Morreu a Mulher. 

Sou uma desconhecida na vida desta mulher, no entanto sinto que me é próxima, sei razoavelmente a sua história de vida, conheço as cores vivas com as quais se vestia em cerimónias importantes, conheço o seu sorriso, lembro-me de vê-la desde sempre. Foi uma uma mulher que viveu a sua vida em missão aos outros, com um importante sentido de Estado, com uma jovialidade surpreendente,  adaptou-se ao mundo e à evolução dos tempos, mantendo um sentido de humor e uma resiliência surpreendentes. Manifestou estar sempre disposta a aprender. Foi a Mulher - muitas vezes só - entre homens. A ironia da História, da mais frágil a mais forte. Vou ter saudades dela. 

1926-2022

 

Uma pergunta por dia: Porque acreditamos tanto nos homens e mulheres e tão pouco na Natureza?

08
Dez14

 Ilustração Alexander Bazarin

 

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

 

 

Uma pergunta até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.

 

 

Alice Alfazema