Os mais antigos
Hoje, fui comprar legumes e peixe fresco, aquilo ali é o meu templo, onde as cores da criação se acumulam nas bancadas dos produtores locais, dando um ar multicultural à "Praça" - em Setúbal o mercado municipal é chamado de praça pelos mais antigos, e assim de repente lembrei-me, que as pessoas idosas em Setúbal eram chamadas de "mais antigos", porque não é velho de deitar fora, nem idoso de limitado, mas antigo de nobre, que pode ser valorizado - vi então nas mármores das bancadas do peixe, pescadinhas de rabo-na-boca, empilhadas em cima umas das outras, mais longe haviam salmonetes, noutras pampos, os peixe-espada tinham os olhos tão esbugalhados que mais pareciam lobos-maus do mar, os chocos ainda luziam, abroteas, corvinas e pargos, luxuria marinha dos mais variados sabores, comprei pata-roxa para fazer de caldeirada.
À medida que ando por ali, vejo que as pedras que forram aquele chão estão lisas e brilhantes, parecem um tapete já muito usado, acusando os milhões de vezes em que foram pisadas. Por todo o lado a vida vibra, as centenas de flores que apelam ao olhar, é uma primavera em cada ramo. Ramos de hortelã perfumam o ar, junto com alecrim, poejo, e outras das quais não me lembro do nome. Pão fresco de várias regiões, queijos frescos e secos, de ovelha, de vaca, de cabra, curado, meia cura, amanteigado. Mel de rosmaninho para acompanhar.
Ao fundo vejo o belíssimo painel de azulejos azuis e branco, onde os marítimos se encostavam para fumar e falar sobre a faina, as vozes do mar, as vozes no ar, não tanto burburinho como antes da pandemia, apenas um apontamento daquilo que já foi. Trás-me à memória as minhas vozes, aquele som transporta-me para lá do tempo. A minha mente vagueia acima, buscando reconhecer alguma, mas são apenas fragmentos. E foi ali que aprendi a escolher o peixe, os legumes e as frutas. A andar depressa por entre a multidão, a saber decidir qual o melhor preço, comparando a melhor qualidade.
E os anos passaram e sinto que começo a ser uma pessoa antiga, carregada de memórias e saudades que não posso matar, não que isso me deixe mais triste ou mais alegre, mas antes que me dê vontade de conta-las a alguém.