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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

#diariodagratidao 15-01-2019

15
Jan19

Ilustração  Sandra Conejeros

 

Podermos ter oportunidade de escolha é das coisas mais importantes da vida. A escolha de cada um a ele pertence. Aprender a fazer escolhas é-nos imposto desde tenra idade, já deveríamos estar habituados a fazê-las com sucesso e a saber valorizá-las. No entanto,  por vezes menorizamos esta oportunidade, ou porque não temos experiência criticamos ou apoiamos as dos outros, nem damos por isso no dia a dia. A escolha está tão banalizada que até as escolhas dos outros julgamos nossas, como se pudéssemos fazê-las num outro corpo, com outras necessidades que não as nossas. 

 

Hoje estou grata por poder escolher ser aquilo que mais prezo. 

 

 

 

 

 

Circular

03
Set18

 

Ilustrações de  Roman Muradov

 

 

Conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro. Víamos - pelo lado menos sombrio do pensamento - todo o sistema planetário. Víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos dedos. O latejar do tempo na humidade dos lábios. E a insónia, com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos. As estrelas mortas das cidades imaginadas. Os ossos (tristes) das palavras. A noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça transparente.

 

 

 

Em redor dele chove. Podemos adivinhar um chuva espessa,negra, plúmbea. Depois, o homem abre a mão, uma laranja surge,esvoaça. As cidades(como em todos os livros que li) ardem. Incêndios que destroem o último coração do sonho. Mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita olha, absorto, a laranja.

 

 

 

A queda da laranja provocará o poema? A laranja voadora é, ou não é,uma laranja imaginada por um louco? E um louco, saberá o que é uma laranja? E se a laranja cair? E o poema? E o poema com uma laranja a cair? E o poema em forma de laranja?

 

 

 

E se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema? A ficar louco?(...)

 

 

 

 

 

E a palavra laranja existirá sem a laranja? E a laranja voará sem a palavra laranja? E se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto, e alguém a (esquecer) no meio da noite-servirá(o brilho)da laranja para iluminar as cidades há muito mortas? E se a laranja se deslocar no espaço-mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita-criaráuma ordem ou um caos?

 

 

 

 

O homem que possui uma cabeça de vidro habita o lado de fora das muralhas da cidade. Foi escorraçado.(E)na desolação das terras, noite dentro, vigia os seus próprios sonhos e pesadelos. Os seus próprios gestos-e um rosto suspenso na solidão. Onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma, no seu sexo, no seu coração?

 

E se escreveu laranja na alma,a alma ficará saborosa? E se escreveu laranja no coração, a paixão impedi-lo-á de morrer? E se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará? Onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja, a vida do poema-a Vida, sem mais nada-estará aqui? Fora das muralhas da cidade? No interior do meu corpo? ou muito longe de mim-onde sei que possuo uma outra razão...e me suicido na tentativa de me transformar em poema e poder, enfim, circular livremente.

 

 

Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares