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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Miudezas da minha praia

12
Ago14

 

 

Os putos levaram geleiras grandes azuis, cheias de latas de cerveja,  beberam-na durante todo o santo dia, cortaram carcaças com a faca de cabo de madeira e encheram-nas de conduto. Dizem parvoíces. Muitas. De repente sai um deles da sombra do chapéu-de-sol e desata a correr em direcção ao mar, vai todo nu, em grande velocidade,com uma das mãos a tapar as miudezas. Um dos amigos filma a cena. As pessoas riem-se, eu também. Tem o cu cabeludo, ainda não é um gajo metrossexual. Grita e mergulha, volta depois rapidamente na mesma correria para a toalha, sem nunca deixar de agarrar as jóias da coroa, não vá perdê-las. São só rapazes debaixo dos chapéus de sol, conversam em roda, o sol está quente, ao longe vejo a Arrábida, e eu sentada na minha toalha amarela olho para eles e escrevo estas linhas enquanto eles continuam a desfrutar da juventude.

 

Alice Alfazema

A velha

24
Mai12

 

 

A velha vive há mais de cinquenta anos na mesma casa é um peso na sociedade, já passou fome e, volta agora a passar fome. A velha tem uma reforma de merda, no entanto tem um sorriso genuíno, os dentes é que são postiços, está só.

 

Está só, não tem telefone, nem comida no frigorifico; trabalhou toda a vida, o valor do seu trabalho não existe. Vive na cidade que a tem como cartão de visita que, se serve do seu estilo de vida para angariar turismo e negócios, mas que faz da vida da velha um inferno de dores, de fome. A velha não está só, com ela milhares de outros, com o mesmo estilo de vida, com a mesma idade, com a mesma merda de reforma, com o mesmo sorriso.

 

Eles andam pelos mercados e mercadinhos, pelas lojas e pelas ruas, fazem do resto da sua vida uma lembrança para os outros e esquecem-se daquilo que foram, de quem eram e de como eram. E a vida corre, como se a velhice fosse uma coisa contagiosa e repugnante. E os outros fingem que não sabem que eles passam fome, que eles também estão vivos e, que a vida não é apenas um momento de juventude, de aprendizagens universitárias feitas em apenas meia dúzia de anos se tanto. Os outros fingem que sabem muito quando ainda não viveram nada e, julgam-se os donos dos direitos, as vitimas da crise. O marketing das vitimas da crise, a infantilização de adultos que esperam que outros façam por eles o que a eles lhes compete. 

 

A juventude é a fase da vida onde a energia mais abunda, há por aí muito desperdício dessa energia. Há uma resignação apocalíptica que leva à pobreza de espírito, à nulidade da iniciativa, ao esquecimento da historia de vida da velha e dos outros como ela. 

 

 

 

 

Alice Alfazema