Uma pergunta por dia: Ainda se lembram disto? Qual era a frase que gritavam quando davam o salto?
Uma pergunta até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.
Alice Alfazema
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Uma pergunta até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.
Alice Alfazema
Pintura de Alyona Krutogolova
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar o vento e sair
correndo com eles para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água com a peneira
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro o
botando ponto no final da frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos.
Manoel de Barros
Alice alfazema
A minha avó tinha uma ginjeira no quintal. A árvore dava fruto e segurava um estendal de roupa. A roupa baloiçava ao vento, elevada por um pau grande que se inclinava contra o vento, fazendo quase uma vela, como se fosse um veleiro que espera o vento para com ele navegar. E eu subia à árvore para avistar a cidade, o rio, as traineiras e o mar. O vento soprava-me na cara e elevava-me os cabelos. Se eu abrisse os braços poderia imaginar que voava. Se eu me levantasse com os braços abertos era quase, quase, um pássaro. Se eu fechasse os olhos era um voo pela cidade, pelo rio e pelas traineiras acompanhando-as até ao mar. Aí na barra o vento era demasiado forte e eu tinha de abrir os olhos.
Alice Alfazema
Eu poderia, voltar a correr pela vereda e ao longe ver o rio e o mar. Ouvir as sirenes das fábricas de conserva de peixe e ver os barcos entrarem na barra. Sentir o calor do Verão na minha pele e ter o cheiro do barro entranhado em mim. Não me preocupar se me sentei no chão, se sujei a minha roupa, se dei gargalhadas e se ri à toa. Observar as folhas dos Dentes-de-leão - O teu pai é careca?, soprar e vê-las irem pelo ar...o pai era sempre careca.
Alice Alfazema