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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Quebrar rotinas

Árvore de Natal

22
Dez22

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A primeira notícia da Quimera está no livro sexto da Ilíada. Está aí escrito que era de linhagem divina e que na frente era um leão, no meio uma cabra e atrás uma serpente, deitava fogo pela boca e foi morta pelo formoso Belerofonte, filho de Glauco, como os deuses pressagiaram. Cabeça de leão, ventre de cabra e cauda de serpente, é a interpretação mais natural que admitem as palavras de Homero, mas a Teogonia de Hesíodo descreve-a com três cabeças e é assim que está representada no célebre bronze de Arécio, que data do século V. Na metade do lombo está a cabeça de cabra, numa extremidade a da serpente, na outra a de leão. (…) Plutarco tinha sugerido que Quimera era o nome de um capitão com vocação de pirata, que tinha mandado pintar no seu barco um leão, uma cabra e uma cobra. Estas conjecturas absurdas provam que a Quimera já estava a cansar as pessoas e melhor do que imaginá-la era traduzi-la em qualquer outra coisa. Era demasiado heterogénea; o leão, a cabra e a serpente (nalguns textos, o dragão) resistiam a formar um único animal. Com o tempo, a Quimera tende a ser «o quimérico»; (…) A incoerente forma desaparece e a palavra fica para significar o impossível. «Ideia falsa», «pura imaginação», é a definição de Quimera que agora dá o dicionário.

Jorge Luís Borges, in O Livro dos Seres Imaginários

Bafio

12
Jan20

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Ilustração Anna Lazareva

 

 

Num ímpeto de rápida liquidação de stock, atirei
para a montra do poema tudo o que tinha em reserva:
imagens, símbolos, metáforas, sinédoques, e
também aliterações e rimas, ficaram ao sol,
por trás do vidro sujo da estrofe, à venda
pelo melhor preço. Pouco importa que houvesse
alguma flor de retórica ainda com as cores vivas
de um sentimento recente, ou uma invocação
feita de anáforas frescas como a erva do campo:
foi tudo a preço de saldo, e quem não
quiser comprar leva de brinde a chave de ouro
de um soneto em segunda mão, e se ainda assim
protesta vai para o gabinete das provas
de onde pode espreitar o rosto da musa
despenteada sob uma chuva de hipérboles. E
foi assim que os armários do verso ficaram vazios,
e os pude limpar do bafio da inspiração.

 

 

Poema Nuno Júdice

Dezembro - Dia 4 - Razão

04
Dez19

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Ilustração Carole Hénaff

 

Descobrir a razão é um caminho árduo, reflectir sobre o que somos e queremos é como arrancar a pele e vestir outra. Nada de novo, mas custa tanto. A razão e a mudança andam de mãos dadas, unidas pelo pensamento. O de cada um aliado ao outro, ou talvez não. A razão tem motivos e origens sentidas ao pormenor de cada respiração, em cada uma enches o coração e o espaço que há dentro da tua imaginação.