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Já estamos em novembro, mas nos primeiros dias de outubro andei pela cidade a turistar durante a minha hora de almoço, no coração da cidade recolhi algumas imagens para partilhar convosco, mostro-vos aqui as macieiras que crescem agora no largo em frente à Igreja de Jesus, as maçãs são ainda minúsculas, dá-me a sensação que são de diversas variedades, pois umas são mais escuras que outras, não tive muito tempo para aprofundar a questão, mas é uma ideia maravilhosa colocar um pomar num espaço público, não só pela diversidade de árvores que encontramos, mas também pelo aspecto pedagógico da biodiversidade em espaço urbano, contudo dá-me a sensação que na correria dos dias sejam poucas as pessoas a darem conta da existência deste pomar.
A Igreja de Jesus situa-se perto da zona ribeirinha, não muito longe alcançamos o Sado, esta edificação está classificada como monumento nacional e assinala o início do estilo manuelino, a ideia da sua construção situa-se no final do século XV, vem de um amor proibido entre Justa Rodrigues Pereira, a ama de leite do rei D. Manuel II, e do frade carmelita, D. João Manuel, de quem teve dois filhos. Arrependida por ter quebrado o voto, a freira decidiu edificar um convento neste local para as freiras franciscanas da Ordem de Santa Clara.
Por toda a cobertura da igreja há um rendilhado esculpido em pedra que contrasta com o azul cetim do céu, a arquitectura e sensibilidade do mestre Diogo de Boitaca, autor também de outros monumentos, tais como como o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e o Mosteiro da Batalha.
Sabe-se que no dia 1 de novembro de 1755, às 09h30, Setúbal tremeu, e o oceano invadiu a terra, seguiu-se então o fogo, nesta manhã de terror morreram mais de 4 mil pessoas, um terço da população da então vila, ficando a vila quase totalmente destruída.
Na transcrição das respostas paroquiais ao inquérito efetuado em 1758 por ordem do Marquês de Pombal, é referido que em Setúbal, “(…) ruas inteiras vierão os edifícios a terra, e naquelles que se conservarão em pé ficarão sempre muito ofendidos, que percizárão serem renovados, e o maior estrago foi nos Templos, e alguns Conventos (…) o mar derrubou as muralhas entrou na vila e pelos campos quase um quarto de légua e meteu dentro das ruas os barcos (…)”.
Na então freguesia de S. Julião, localizada no centro da vila, “(…) a mayor parte das Casas se arazarão, e o resto dellas ficou com grande ruína – três ruas inteiramente se queimarão com o fogo, logo subsequente, ao terramoto, as quais forão rua direita dos mercadores [atuais ruas Serpa Pinto e Dr. Paula Borba] – rua dos caldeireiros [atual Rua Álvaro Castelões], a rua das canastras [atual Rua José António Januário da Silva], (…)”.
Pinho Leal menciona que, em Setúbal, foi “funestíssimo este terramoto, horrorizando todos os seus habitantes, e causando prejuízos incalculáveis. A destruição das casas foi tal que ficaram ruas inteiras entulhadas. No largo da Fonte Nova se reuniu tão grande monte de entulho, que chegava à altura das janelas dos primeiros andares. À falta de habitações, se fizeram barracas em diversos sítios, principalmente junto das muralhas, (…)”, também no Largo de Jesus e nos arredores da vila.
A recuperação da vila de Setúbal foi longa, obrigando a sucessivos anos de reparações.
Estou defronte deste monumento que foi palco de tamanho horror, ocorre-me que talvez em dias de tempestade ecoem os gritos das mulheres desesperadas por saber dos filhos, e o sufoco das lágrimas deixadas pelas crianças, e dos homens retorcidos debaixo dos escombros, conta-se que devido à dimensão deste evento natural muitos corpos não foram sepultados, na pressa e na pobreza construiu-se casario em cima dos corpos, anos depois foram encontrados em diversas obras realizadas pela cidade, presume-se que andamos em cima de um cemitério quando andamos por toda a baixa da cidade, não houve tempo para chorar a morte, nem braços suficientes para enterrar tanta gente, nem espaço livre, ficaram quase todos ali, fundindo-se com as casas, as estradas e a cidade.
Entrei na igreja e ouviam-se os cânticos, não reparei se eram vozes femininas que pairavam no ar, aquele espaço revela-se de uma excelente acústica, o som exalado torna-se uniforme e dinâmico, percorrendo o espaço físico daquelas paredes, e o espaço físico dos nossos corpos até aos ossos, conseguindo ousar penetrar naquela fronteira entre o físico e o mental, chegando ao cérebro como uma dádiva una.
Na colunas de pedra, as gárgulas parecem estar em sentinela, com as bocas escancaradas, ornadas de figuras assustadoras a fazer lembrar figuras humanas revestidas de corpos animalescos, configuradas para não esquecermos que o demónio nunca dorme, que é preciso as pessoas estarem sempre em alerta, pois pode aparecer travestido de coisa especial.
Lá dentro, as colunas esculpidas em pedra rosa da Arrábida, lembram as cordas e os cordões dos barcos e dos sacrifícios dos homens e das mulheres, frias e silenciosas, parecem suster a abobada e as paredes, dando a sensação que tudo ali é fácil de entender, uma busca pela simplicidade depois das agruras da vida, ou como a vida pode ser complicada quando não se entende o seu propósito.
Na pedra esculpida com arte e esmero vemos o tempo gasto pelo artesão, e a olho nu não sabemos quais as técnicas que foram usadas, nem que ferramentas foram manipuladas, nem quanto tempo gastou, nem quantas mãos por ali passaram, no entanto, aquelas pedras mortas estão vivas perante os que ali passam.
Não me sento, que o tempo é curto, mas imagino quem por ali possa ter estado sentado. Vejo um rosário de avé-marias onde muitas mulheres rezaram fervorosas preces, nos dedos correm as contas dos terços de pobres e ricas, vestidas de vestes negras ou coloridas, as lágrimas afloram nos rostos, porque quase ninguém reza em alegria.
São as promessas que ainda flutuam, quantas e quantas ditas em segredo, as promessas nunca se fazem em voz alta, porque deus ouve a voz interior, é no silêncio que se espera pelo resultado da promessa.
E do amor carnal nasceu este amor divino, na pedra se gravou a história para que fosse esquecido, nunca lembrado nos cânticos que ecoam no tempo e no espaço, um amor esvaído pelo universo, no pó a que nos reduzimos sem querermos.
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha
Poema de Jorge de Sena
Cabo da Roca, 20 de Dezembro de 2020
Queridos amigos, espero que estejam bem de saúde eu vou indo graças a Deus.
Há muitos anos atrás trocavam-se postais e cartas de Natal que eram primorosamente escritos com alguma antecedência, compravam-se depois os selos e eram enviados por correio, a escolha dos envelopes dependia do gosto pessoal de cada um e ainda do meio de transporte pelo qual viriam a ser transportados. Naquelas páginas e cartões, as letras surgiam alinhadas e cuidadosamente desenhadas, e sabia-se que muitas das vezes eram escritas por alguém mais instruído, no entanto nunca perdiam a graça e o amor posto em cada frase. Da terra chegavam as notícias, da Capital, do estrangeiro. Ainda não éramos a Aldeia Global em que nos transformámos. Era um Natal em cada carta aberta. Era Natal em cada troca de palavras, desejos e saudações. Do longe se imaginava o perto.
Um abraço apertado, desta que vos espera abraçar em breve.
«Do lentisco verdadeiro de Brotero (Pistacia lentiscus), que se cria pelos mattos e vallados das fazendas, se póde colher a almecega ou mastique que tem uso nas boticas, e na composição dos vernizes. Os habitantes da Ilha de Chio na Grécia são os que aproveitão esta rezina, fazendo no principio de Agosto incisões na cortiça do tronco do arbusto, sem tocar nos ramos novos, e por ellas vai distillando o suco nutritivo em pequenas lágrimas que amadurecendo formão os grãos de mastique, e se apanhão no mesmo arbusto, onde durão todo o mez; ou na terra quando tem cahido. (...)
Ainda que os botânicos dêm a este arbusto o nome de lentisco, com tudo no Algarve ninguem o conhece por tal, e sim pelo de aroeira, chamando-se lentisco ao Phyllirea angustifolia de Linneo, lentisco bastardo de Brotero. (...)
Chios, a ilha no mar Egeu a menos de 10 km da costa turca (a oeste de Izmir) referida por Silva Lopes é conhecida ainda hoje não apenas por, supostamente, ter sido o berço de Homero, mas igualmente pela exportação de mastique, a resina da aroeira utilizada na confecção de inúmeros e famosos produtos gregos, turcos, egípcios, macedónios, búlgaros e demais países desta zona do globo, dando nome a uma bebida alcoólica muito apreciada, a Mastika. As «lágrimas de Chios» continuam ingrediente indispensável na gastronomia e cosmética locais, mas alguns dos produtos confeccionados com esta goma têm fama internacional, como é o caso das delícias turcas ( «Turkish Delight»).
Os venezianos e genoveses, que dominaram a ilha durante quatro séculos até esta passar em 1566 para domínio turco, foram os primeiros a comercializar o mastique. A Grécia reconquistou o domínio da ilha em 1913, quase um século depois dos terríveis massacres turcos que Eugène Delacroix, talvez o mais conhecido pintor romântico francês, imortalizou no quadro «Massacre em Chios» que pode ser apreciado no Louvre.
Texto retirado do blogue De Rerum Natura, é um artigo de Palmira F. da Silva, para ler o texto completo clicar aqui.
Alice Alfazema