Tenho o resto do cozido que ficou do jantar de ontem ao lume, estou a acrescentar mais repolho, não tarda nada está toda a gente aí para almoçar, devem de vir esfaimados. Lá fora está um frio de rachar qualquer pele que se esgueire à portada. Já estendi roupa e já a recolhi, passei mais um monte dela, aspirei e dei um jeito pela casa. Em resumo vou dizer que não fiz nada. Que é aquilo que as mulheres dizem à segunda feira quando voltam ao emprego.
Também já coloquei aqui umas duas conversas da escola, e agora deparei-me com este texto do blogue Âncoras e Nefelibatas:
Passo de moto, ou de carro, aceno. Parte das vezes não me reconhece. Cabreiro, magro e velho, tisnado do sol, roupa suja e surrada, o saco do farnel à cinta, a mulher demente já. Encostado ao pau, os cães de roda.
Hoje, ali ao fundo da ladeira do «um pouco mais de azul» estaciono o carro, saio e tiro os óculos de sol: é ti manel, às vezes digo-lhe adeus quando passo mas você nem dá conta de quem é…
Conhece-me finalmente, trata-me pelo nome do meu pai. Dá-me os sentimentos pela minha irmã. Abraça-me sem pejo ou cuidado, pendurado em mim, um braço por cima do pescoço, a outra mão que deixa o pau atrás. O cheiro intenso a cabras e suor. Os cães roçam-se-me nas pernas ainda molhados do mato. Nim sê o que te diga rapaz! Isto a vida é um ‘nstante. Nã vale a pena a gente andar cá com manias…
A roupa que trago no corpo aqui em casa ainda cheira bem. Do abraço dele e do pêlo dos cães.
E a vida é assim, há textos que nos dão ânimo ao dia.
Logo ao jantar haverá massa do cozido com muita hortelã e talvez um bolo de mel com canela. Apetece-me o cheiro de um bolo cozido com mel e canela e na mão uma chávena de chá bem quente. Está muito frio lá fora e há gente que dorme ao relento, e gente que tem fome e não tem o que comer, e gente tem o que comer e passa fome, e gente parva, e gente inteligente, e gente que tem a mania que é mais que gente.
Alice Alfazema