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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Um pássaro azul, uma baleia azul, um mundo azul

30
Abr17

Ilustração  KD Neeley

 

 

As pessoas têm medo de serem bondosas, dizem-se de mau feitio, de quem não leva desaforo para casa. Ser agressivo é ser pró-activo, é ir para a frente é ser dinâmico a todo custo. As palavras confundem-se, os conceitos banalizam-se. Não és mentiroso, mas antes vês a coisa por outra perspectiva, aquela que te fortalece mais, a que te levará a algum lugar. Amas-te a ti mesmo como se fosses um ser único e divino. Ensinas os teus filhos a serem dinâmicos da mesma forma que tu és. Não tens culpa do teu mau feitio, o teu filho também não. A bondade escondeu-se neste mundo azul. Está reprimida, é censurada, é coisa de gente que não sabe o que quer, de gente que não se ama., de gente que não está na moda. Não podes ser fraco, nem feio, nem gordo, nem de cor estranha, não poder ser velho, nem ter pouca instrução, tens que te vestir segundo as instruções, tens de pensar pouco e agir mais. És uma ovelha azul.

 

 

 

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.A 
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

 

 

 

 

Charles Bukowski 

 

 

 

 

 

Alice Alfazema

Sobre a grande manifestação em Paris

12
Jan15

Ilustração Duy Huynh

 

Ficou claro que não se faz mais por um mundo melhor porque não se quer. Enquanto houver indiferença pelo outro, enquanto os poderes instalados estiverem sentados assim será, enquanto a sociedade civil for uma simples mosca morta, enquanto a experiência for uma coisa que apenas diz respeito àqueles que a têm, haverá um mundo que se gladia. Não são apenas os lápis, nem as cores, nem os desenhos, mas é a raiva contida em cada gesto, é o aceno moribundo pelas liberdades, é o cair de um pano num cenário feio de há muito, não de um agora. Como uma borbulha purulenta que explode, verde e fedorenta. Já lá estava.

 

Liberdade, fraternidade e igualdade.

 

Alice Alfazema