Daqui até ao Natal -23
Por onde andei, o dia hoje esteve para o fresco, o céu apresentou-se azul, e a maior parte das árvores erguiam os ramos ao alto, tal como numa prece, ergo eu também os olhos ao alto, numa prece de gratidão por poder desfrutar do momento, é assim basicamente que rezo, e acreditem há que me critique, como se repetir e repetir palavras fosse de mais valor.
Se amássemos em uníssono a Natureza, o que de mal podería acontecer?
Onde os frutos maduram:
sal e sol em minhas veias
luz e mel em boca alheia.
Onde plantei
a alta acácia das febres
eu mesmo me deitei,
para ser a raiz da semente,
e da madeira e seiva
se fez o meu corpo.
Agora,
Chove dentro de mim,
em minhas folhas se demoram gotas,
suspensas entre um e outro Sol.
Em mim pousam
cantos e sombras
e eu não sei
se são aves ou palavras.
Mia Couto, in “Vagas e Lumes”
Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,
de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra, esquecida no tronco das árvores só serve para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão
se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os
lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com as borboletas.
Manoel de Barros, in “Poesias Completas”
(um projeto que é uma agradável surpresa)