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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Pela poesia se vai até à verdade

07
Dez23
 
 
Hoje, cá dentro, houve festa...

Alcatifei-me de veludo azul,
fiz pintar a Ternura os meus salões,
e pus cortinas de tule...

 

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Mas não chamei grandes orquestras
nem um clarim, a proclamá-la:
mandei tocar, em mim,
uma música assim de procissão
que levou os meus sentidos
a nem sequer se sentirem, de embevecidos...

 

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Hoje, cá dentro, houve festa...
E, se houve festa e veludos,
e musica azul, e tudo
quanto digo,
foi somente porque a Graça
desceu hoje a visitar-me. 

 

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E eu, que vivo de Infinito
as raras vezes que vivo;
eu, que me sinto cativo
no pouco espaço que habito,
onde a presença de dois,
por ser demais, me embaraça,
deixei logo o meu lugar,
para dar lugar à Graça.

 

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Não tinha pés: tinha passos;
não tinha boca: era beijos;
não tinha voz: era como
se o folhado e a maresia
se tivessem combinado
pra cantar «Ave, Maria...»

 

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Foi então que vivi; então que vi
os poucos metros que vão
da minha Serra às Estrelas:
é que eu, sendo tão pequeno
que nem às vezes me encontro,
andava ali a pairar,
e o meu fim estava nelas
e o meu princípio no Mar.

 

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A Graça, cá dentro, era

a varinha de condão
que me guiava no Ar.
E que bem me conduzia!
Parecia que eu sentia
as mesmas ânsias e a alegria
da Noite quando, no ventre,
já sente os gritos do Dia.

 

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O poema é de Sebastião da Gama, o poeta da Serra da Arrábida, as fotografias foram tiradas por mim ontem na Serra.

As minhas flores

20
Abr21

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Eu não tenho jardim, mas tenho bosques, vales, planícies e serras, onde colho as minhas flores, colho-as com a objectiva, este ano redescobri o prazer de observar as flores silvestres, sentindo uma alegria quase infantil por ver uma diversidade tão grande de pormenores que nos são alheios na pressa do dia a dia. Há algo comum a todas elas - Liberdade.

 

Espírito das danças, espírito das estrelas,
espírito das crianças, espírito das velas,
espírito que te escondes nos risos e nas tranças,
nas músicas mais intensas e mais belas,
ó espírito que persistes, não desistes, e não cansas
de transformar esquecimentos em lembranças,
de trocar, por amor, desconfianças
e de pintar essas mudanças
com doces e brilhantes aguarelas,
espírito do mar, espírito do ar, das coisas mais singelas,
leva-me contigo ao país da noite, quando avanças
por entre estrelas apagadas, sem esperanças,
que eu gostaria tanto, mas tanto!, de acendê-las.
 
 
Poema de Joaquim Pessoa

Deixa...

15
Abr21
 

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Durante todo o mês de Março coloquei aqui poemas e fotografias que colhi perto de casa, é impressionante o quanto desconhecemos daquilo que nos rodeia, talvez porque não estejam logo ao nosso alcance, sim é preciso procurar, e fazê-lo com a devida atenção a cada pormenor. Há uma beleza sublime escondida no mundo silvestre, e um lado encantador entre cores e cheiros, numa descoberta, feita de primavera, em que as flores florescem por cores, começando pelas menos exuberantes, que são as primeiras a serem polinizadas, depois chegam as de cores vibrantes que espelham o fulgor que teve a criação. É incrível esta cooperação. Deixo-vos a flor do vento e um poema de Lita Lisboa. 

 

Deixa que o orvalho
lave a poeira dos caminhos.
 
Deixa que a pedra rosada se incendeie com o Sol
e que as chamas iluminem o destino
tão incerto e frágil, quanto a carne
que um dia, será apenas pó.
 
Deixa que o amor, num simples abraço se eternize
antes que o corpo nada mais precise.
Deixa que o sonho não seja fantasia
que ressuscite em cada dia
e fique gravado em cada um de nós !
 
Deixa!
 
Poema de Lita Lisboa