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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Família

23
Set20

o gato e o piriquito.jpg

Ilustração Olga Peganova

 

Como se define o que é família? Quem é parente? Quem está presente? Quem cuida? Quem é da mesma espécie? Ou são os laços visíveis e os invisíveis que nos unem e nos transformam em família? Mesmo que não sejamos do mesmo sangue ou até da mesma espécie. 

Parece haver um fio condutor que nos une e nos leva àquilo que pode ser família, mesmo que não estejam reunidas todas as condições que a sociedade  impõe para a designação do termo família. É preciso sentir, não apenas saber ou descobrir um mero laço de sangue ou vestígios de ADN.

Família não é assim uma coisa vaga ou expressa numa certidão de nascimento, ou feita através de  um óvulo fecundado por um espermatozóide.  Família pode ser, as milhentas ligações emocionais que temos ao longo do tempo, quer sejam aquelas que construímos propositadamente ou as que se nos oferecem como imposição e que depois parecem fazer parte de nós desde sempre. 

 

A inteligência humana

26
Abr20

andorinhas.jpg

Ilustração Catrin Welz-Stein

 

A minha rua tem andorinhas, já teve mais, agora resumem-se a poucos ninhos. Antes haviam pequenos cursos de água, onde as andorinhas iam buscar o barro para fazerem o ninho. Agora está tudo tapado, ou então cobriram o chão das linhas de água com pedras e rede, para ficarem bonitas. O ano passado alguns prédios foram pintados na Primavera, e os telhados foram lavados a esguicho de pressão, levaram todos os ninhos que existiam naqueles locais atrás de si. Por mais de um dia as andorinhas andaram a bater contra a parede onde tinham o ninho. Ninguém quis saber, nem moradores, nem pintores, nem responsáveis pela obra, nem responsáveis da autarquia. Os animais tiveram de continuar com as suas vidas. A nós não nos é permitido saber a que tipo de inteligência pertencem. Somos tão estúpidos. Nessa mesma Primavera cortaram as árvores da avenida como se tivessem a fazer uma amputação, raparam tudo o que tinham para rapar, não sobrou um ramo onde os pássaros pudessem poisar, apresentei queixa, durante dois dias pararam com aquilo, depois disseram-me que era a poda, e que era mesmo assim, informaram-me ainda que as pessoas tinham feito queixa que as árvores retiravam a luz das casas, são árvores de folha caduca, e ficam a mais de seis metros das paredes dos prédios, esse Verão foi infernal, o interior das casas tornou-se abafado, as árvores tinham poucas folhas, poucos ou nenhuns pássaros andavam por ali.  Somos tão estúpidos. 

 

Dá-me vontade de rir quando nos auto-intitulamos os seres mais inteligentes do planeta, e há até quem diga do universo, essa é de chorar a rir, quando não conseguimos compreender aquilo que se passa mesmo ao nosso lado, como conseguimos saber o que se passa em todo o lado? E afinal o que é a inteligência? Eu por exemplo não considero uma pessoa mesquinha de inteligente, porque mesmo que consiga perceber de muita coisa e em diversas áreas, é pobre de espírito, não consegue revelar-se para além do seu umbigo. 

 

Ninguém consegue perceber verdadeiramente as coisas sem a experiência, ou então através da observação, talvez por isso ser-se inteligente nem tenha muito a ver com estudos e títulos académicos, ou com os pequenos e grandes poderes, mas antes com a absorção de tudo o que há em nós e para além de nós, coisa que só começamos a compreender lá mais para o final da nossa vida, os verdadeiros sábios são aquele que buscam sempre ir para o lugar o outro. De resto somos todos tão estúpidos.  

 

Diário dos meus pensamentos (35)

23
Abr20

vazio.jpg

 

Ilustração Nerina Canzi

 

O que podes fazer com o teu vazio? O que faz a praia com a maré vazia? O que faz o pintor com a sua tela vazia? O que faz o escritor com a folha fazia? O que faz o professor com o quadro vazio? O que faz o agricultor com um terreno vazio? O que faz o músico com a pauta vazia? O que faz o pescador com a rede vazia? O  que faz a abelha com a colmeia vazia? O que faz o pássaro com o ninho vazio? O que faz a concha vazia? O que faz o vaso vazio? O que faz a camisola vazia? O que faz a caneca vazia? O que faz a jarra vazia? O que faz o fotógrafo com a paisagem vazia? O que faz uma ponte vazia? O que faz a cadeira vazia? Já descobriste  qual destes vazios é o teu?