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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Daqui até ao Natal - 4

22
Ago24

 

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Eu tiro fotografias com o telemóvel como se fosse uma máquina fotográfica analógica, ou seja, disparo de qualquer forma, porque estou somente a ver mais ou menos o que estou a fazer, depois quando chego aqui é que vejo como ficou, afinal era assim que fazíamos quando  íamos revelar o rolo, saía cada coisa, tenho a dizer que ninguém confia em mim para tirar fotografias, a não ser claro os que não me conhecem. Para mim é uma chatice a perfeição. 

Ainda voltando ao tempo do rolo revelado, nessa altura o que mais gostava de fazer era tirar fotos à socapa, por exemplo apanhar "pessoas cá de casa" a dormir em cuecas no sofá e colocar molas de roupa a prender os cabelos, ou um qualquer recado preso na boca, por exemplo a dizer "vende-se" ou pior...e depois ir-mos revelar as fotografias, que eram sempre conferidas na nossa presença pelo fotógrafo para ver se estavam boas, e eu a fazer-me de sonsa enquanto eram passadas de mão em mão, entretanto havia sempre gente surpreendida com  algumas das poses (hoje poderia por a culpa na inteligência artificial), mas não teria a mesma piada dos memes analógicos, coisas à séria por assim dizer.

Com a minha filha por exemplo, que era uma chorona de 1ª, a ameaça da máquina fotográfica era o suficiente para acabar com o berreiro, a lady não queria ficar mal na foto, depois ainda havia o perigo de eu colocar tal foto numa moldura, hoje pergunto-me se ameaças destas seriam caso para chamar a CPCJ? Com o rapaz era o contrário bastava apontar a máquina para ele fazer as maiores macacadas, juro que não sei a quem saiu, mas também não tenho uma única foto minha de jeito, e quando me esforço ainda fica pior. 

Daqui até ao Natal -2

20
Ago24

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Hoje pela hora do almoço, indo eu a andar e a ver como param as modas, eis que pela minha frente um homem jovem vem empurrando um carrinho de bebé, com uma mão empurra o carro, com a outra consulta o telemóvel, eu olho de lince...vejo que a criança está a escorregar pela cadeira, já tendo parte do corpo fora dela, digo-lhe então que o bebé está a cair, ele não liga, ou não percebe, não sei bem, como o homem não reage chego-me à frente e empurro um pouco a criancinha para cima, aí o homem parece acordar do coma e vê finalmente o que estou a tentar dizer-lhe, então rapidamente puxa mais a criança para cima, mas como não me dou por vencida facilmente, coloco um braço da criança na alça da cadeira e explico, como se não fosse óbvio que aquilo tem de estar a prender braços e pernas, acho que ouvi o homem dizer obrigado, mas o que me fascinou foi o miúdo esticar a mão para mim e dar-me um "passou bem" em jeito de agradecimento. Não teria mais de oito meses, entretanto a minha amiga esperava-me mais à frente para continuarmos a ver as montras.

Nota: se a minha filha estivesse comigo iria dar-me o sermão do costume: (...) as pessoas podem não gostar(...) não deves fazer isso(...)

Ainda olhei para trás para confirmar se o homem estava ou não a prender a criancinha. 

Sensação

14
Jan24

Sinto-me assim uma coisa preciosa, fora do tempo, deslocada nas palavras, sabedora de outros saberes, por enquanto sem importância, sou como aquela mobília de outra época e de outras emoções, coisas vividas ao relento, nas margens de um rio, sob as estrelas, ao frio, ao calor sem protector solar, comendo iogurte com colheradas de açúcar, saboreando o granulado doce que se colava à língua, beijos mornos no areal escaldante, sapatos únicos, não no sentido de exclusivos, carcaça estaladiça com manteiga feita com natas do leite trazido pelo leiteiro, gritos na rua, risos sem remorso, alcunhas que faziam sentido, coisas sem sentido que tinham graça, a graça dos dias compridos desprovidos de ausências. 

Sinto-me coisa de museu, de palavras em desuso, de colheitas de alfarrobas e de subidas a montes de amêndoas colhidas com casca mole e casca dura, a pinhões rachados na pedra debaixo de grandes pinheiros mansos, a estradas ladeadas de grandes árvores, a sombras frescas e amoras doces cheias de poeira dos caminhos feitos de areia e pedra miudinha. 

Sinto-me antiga, quase com pele de seda, fazendo lembrar o papel de cetim, canetas de bico fino escrevendo em páginas de papel de linhas azuis, com cuidado para não as perfurar, cuidando da letra e do erro para não ter que as amarrotar e deitar fora.

Sinto-me fora de moda, porque parece-me que já usei tudo, que não há nada novo ou desconhecido, coisas de riscas e de quadrados, de folhos e de plissados, franzidos e curtos, compridos e berrantes.

Sinto-me cheia, de tudo e de nada, uma coisa estranha, mas conhecida, calma, mas desesperante, eu mesma, mas não eu de sempre, mas a de agora, e sabe-se lá mais o quê, assim como peça de museu, avistada, olhada com interesse, mas sem se saber bem o que é.

Pintalgadas de sol

17
Nov23

IMG_20231111_100715.jpgOs prados estão a renascer, trazendo consigo os tapetes de veludo verde musgo, lembrando que daqui a nada é natal, a Natureza acolhedora ao olhar, sarapinta de amarelo o pequeno caminho que ainda resta, do outro lado as casas crescem, como cogumelos venenosos que matam árvores, lagartos e pássaros, mais todos os outros impossíveis de enumerar. Em cada quintal uma banheira, a que chamam de piscina, o resto...o resto são pedras meus senhores.