21/02/2021
Ilustração Romain Lubière
Não escreverei o poema.
Direi simplesmente
que o colosso de certeza na humanidade do Universo
é inapagável
como o brilho das estrelas
como o amor dos teus olhos
como a força da harmonia dos braços
como a esperança nos corações dos homens.
Inapagável
como a sensual beleza
da agilidade das feras sobre o campo
e o terror transmitido dos abismos.
Direi simplesmente
Sim!
Sempre sim
à honestidade dos homens
ao viço juvenil da sinfonia das árvores
ao odor inesquecível da natureza
que apaga os possíveis cheiros amargos.
Sim!
à interrogação mágica de Talamugongo
do Cunene ao Maiombe;
ao sonoro cântico de ritmo subterrâneo
e dos chamamentos telúricos;
aos tambores
apelando para o fio da ancestralidade
esbatido além;
ao ponto interrogativo de Madagascar.
Sim!
às solicitações místicas à musculatura dos membros
ao quente das fogueiras endeusadas
na lenha das sanzalas;
às expansões magníficas das faces
esculpidas no alegre sofrimento das quitandeiras
e no ritmo febril das sensações tropicais;
à identidade
com a filosofia do imbondeiro
ou com a condição dos homens,
ali onde o capim os afoga em confusão.
Sim!
à África-terra, à África-humana.
Direi sim
em qualquer poema.
E esperemos que a chuva pare
e deixe de molhar os chilreantes passarinhos
sobre as três árvores da minha única paisagem
e o desejo de escrever um poema.
Isso passa
Poema de Agostinho Neto