E porque há mais assuntos para além dos petiscos e das fotos na praia no Verão
Portugal não pode explorar gás ou petróleo porque Julho de 2016 foi o Julho mais quente desde que há registos de temperatura. Porque os últimos nove meses foram todos os mais quentes desde que há registos: o Julho mais quente, o Junho mais quente, o Maio, o Abril, o Março, o Fevereiro, o Janeiro, o Dezembro, o Novembro. Não pode explorar combustíveis fósseis porque 2015 foi o ano mais quente desde que há registos. E porque antes de 2015, 2014 fora o ano mais quente até então. E porque dos dez anos mais quentes de que há registo, nove foram desde 2000, e o décimo foi 1998. Porque é a combustão de combustíveis fósseis que provoca esse aquecimento. Porque para conseguirmos manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2ºC, temos de manter 80% das reservas conhecidas de combustíveis fósseis debaixo do solo, e não procurar novas reservas.
Portugal tem um potencial solar enorme, de 2200 a 3000 horas de sol anuais, e tem uma produção solar insignificante. Portugal não pode explorar gás ou petróleo porque isso impede o desenvolvimento das energias renováveis. Explorar petróleo não significa qualquer entrada de riqueza no país, já que os contratos são ridículos para o Estado e, além disso, as empresas são especialistas a fugir aos impostos (legal e ilegalmente), a indústria petrolífera cria muito poucos empregos e destruirá milhares de postos de trabalho já existentes no turismo, na pesca e na agricultura.
O país não pode continuar a facilitar a vida a patos bravos e a empresas com as mãos sujas de sangue e de petróleo, mesmo que alguém tenha tido um dia a infeliz ideia de assinar dez contratos estúpidos, fosse por estupidez, fosse por corrupção.
O país e as populações não podem ficar reféns de uma decisão tomada à luz de uma lei anacrónica, mesmo que haja cobertura legal para isso. Alguns dos maiores crimes do mundo foram feitos sob a cobertura da legalidade: a escravatura, o apartheid, perseguições políticas, guerras. Não é desculpa para nada.
O processo de contestação ao petróleo fora do Algarve começa a dar os seus primeiros passos. A transformação da contestação numa campanha de índole nacional mudará certamente as hipóteses de travar este processo grotesco.
Texto retirado da Revista Crítica Económica e Social, ver o artigo todo aqui.
Alice Alfazema