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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Hoje apetece-me contar uma estória

05
Ago19

Nos idos anos 80, eu tinha uma vizinha que estava sempre zangada com o mundo, era com os vizinhos, era com os moços que faziam barulho, era com a mulher que atendia pessoas para resolver problemas espirituais, enfim andava sempre num frenesim de nervos.

 

Ela era baixinha e usava o cabelo muito curto, havia alturas em que o marido, instruído por ela vinha dar um berro aos moços que andavam por ali na galhofa. A malta fazia de propósito só para os arreliar, às tantas o homem desistia, mas ela continuava, por vezes lá vinha um balde com água, nesses tempos haviam  assuntos que se resolviam com água fresca e sem avisos. As mães nunca tomavam as dores dos filhos, sabiam que eles às vezes abusavam. 

 

Um dia o meu irmão e os outros resolveram pregar-lhe um susto: fizeram um refogado com tomate e cebola, juntaram outras mistelas e meteram aquilo em cima do tapete da mulher, pegaram num carvão e escreveram no muro em frente à porta: vade retro a Satanás. Coisas que os moços ouviam dizer, vindo lá daquela casa, onde haviam sempre pessoas à porta. Eram gritos todo o santo dia, ecoavam pela rua e os moços divertiam-se.

 

A mulher veio perguntar à minha mãe se tinha visto alguém por ali, ela nada sabia, eu também não, ninguém se lembrou dos moços. O tapete foi deitado fora com muito cuidado para não mexer naquilo, não sei com que água retiraram as letras gravadas a carvão, mas sei que a mulher que odiava a outra, aquela que atendia pessoas, começou a ter mais uma freguesa. A mulher começou a desconfiar de tudo e de todos, retirou os vasos que tinha à porta de casa e deixou de refilar com os moços, a rua perdeu a graça e já não se ouviam gargalhadas. 

 

Aquela mulher altiva e rebitesa passou a andar de cabeça baixa, talvez com medo, acreditando  numa mentira que se instalou na sua mente, instigada por outros a crer que alguém lhe queria mal, provavelmente a associar situações de vida com maus-olhados e outros credos. Deixou de ser quem era e passou a ser um fantoche. 

 

 

 

 

Roupa de ninguém

04
Dez12

Dezembro de 2012. Os casacos amontoam-se, mais os ténis, as blusas e outros haveres. Ninguém os vem buscar, ninguém pergunta por eles. Não sei o que dizem em casa, ou se lhes perguntam pelas roupas, ou se têm demasiado que nem consigam dar pelo que lhes falta. O ano passado foram mais de uma dezena de sacos enormes - cheiinhos que foram para carenciados. 

 


Alice Alfazema