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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Um templo a céu aberto

25
Jun21

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Ilustração Tomasz Alen Kopera

Sempre me questionei se os pássaros cantavam para as árvores e se elas se deliciavam com o seu canto e se poderiam bater palmas ao sabor do vento, sem ninguém dar por isso. Tenho observado como os gaios confraternizam e se abrigam debaixo da folhagem verde e robusta da grande árvore existente defronte da minha janela. Ao final do dia, quando o sol se acalma e nos diz adeus as sombras da noite começam a invadir o horizonte, pelo meio do arvoredo da avenida aparecem as andorinhas treinando o seu voo vertiginoso em pares, fazendo inveja aos pilotos dos F16, em verdadeiras acrobacias sincronizadas ao centímetro.

Há cerca de dois anos cortaram todas as árvores de rolão, não havia vida nem harmonia naquele espaço, nem poiso, nem sombra, a paisagem era algo fantasmagórico, lembrando um cenário de apocalíptico. 

Penso em como a Natureza consegue ser tão generosa deixando-me  num estado de despertar constante, existe neste poder sereno a linguagem silenciosa de um mistério de milénios, são murmúrios de vento, braços de sol, frescura divina. Alimento encantado sem entrar no corpo. 

Custa-me saber que não viverei o tempo suficiente para que os meus braços não tenham a capacidade de conseguir alcançar o diâmetro do tronco da pequena árvore que plantaram há meses.

 

E se a Mãe Terra falasse connosco o que nos diria?

09
Set17

 

Ilustração  Christian Koh-Kisung Koh

 

Somos filhos da Terra, por algum motivo voltamos ao pó.

 

Dizem os entendidos que fazemos parte do mesmo material que compõem as estrelas. Habitamos um planeta lindo, mas procuramos outros mundos para sobreviver. O nosso corpo tem pouco tempo de vida, mas julgamo-nos eternos.

 

De todos os animais que habitam este maravilhoso mundo somos aqueles que menos respeitam a sua origem, senão o único. Comemos mais do que precisamos para viver, temos muita pele para vestir, fazemos montanhas de lixo, muitos nem sabem distinguir o necessário do desnecessário.

 

Valorizamos muito uma marca de vestuário, ou de uma outra porcaria qualquer, e há quem pague milhares em dinheiro para tê-la, entretanto não olhamos para um céu azul como uma preciosidade. Não vemos as árvores como uma obra de arte. Ou o canto de um pássaro como uma prova de liberdade. Comercializamos a liberdade dos outros em lojas, os outros são os chamados animais irracionais.

 

Somos também compostos por água, muita água, e sem ela não somos nada. No entanto as marés vão e vêm sem que haja grande admiração por isso. O plástico alastra nas nossas águas e também em nós, pois já entrou na cadeia alimentar de algumas espécies. Estamos poluídos. Na mente e no corpo.

 

Vemos imagens de furacões nas televisões ou em qualquer outro aparelho tecnológico, dizem os relatos que estes fenómenos nunca antes foram vistos em tal dimensão, ninguém sabe ao certo, no entanto dizem por dizer. Entretanto mostram as imagens de destruição como se fosse um espectáculo de drama, porque há mortos, quantos são? Como morreram? Há uma curiosidade mórbida em saber como se morre que vende, vende, vende, mas quem são os mortos? Quantos animais morreram para além dos humanos? Ou  a morte é só uma coisa humana? E o sofrimento também é um sentimento apenas humano?

 

 

Se a Mãe Terra falasse connosco certamente diria que somos umas bestas porcas e mal-agradecidas. 

 

 

Alice Alfazema