Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

linha da frente

01
Nov20

outra.gif

Ilustração Amy Grimes

 

Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!

 

Poema de Eugénio de Andrade

 

E de repente dás-te conta que estás na linha da frente, que não há mais ninguém antes de ti, isto se a fila for cronológica e sensata, sentes que já passaste por tanto, que te parece até mentira, no entanto a verdade assola-te nos dias cinzentos. Há em tudo um propósito desconhecido, que talvez venha a reunir a verdade e a razão. Nunca sabes, talvez desconfies. Sentes-te brutalmente usado em nome do sofrimento alheio, não alheio ao teu, mas ao outro que te desconhece. Aquele que se afigura novo, a ele, não a mim.  

 

 

Uma pergunta por dia: Uma reflexão em dia de finados?

01
Nov14

Prefiro que partilhes comigo uns poucos minutos, agora que estou vivo, e não uma noite inteira, quando eu morrer...

 

Prefiro que apertes suavemente a minha mão, agora que estou vivo, e não apoies o teu corpo sobre mim, quando eu morrer...

 

Prefiro que faças uma só chamada, agora que estou vivo, e não faças uma inesperada viagem, quando eu morrer...

 

Prefiro que me ofereças uma só flor, agora que estou vivo, e não me envies um formoso ramo, quando eu morrer...

 

Prefiro que elevemos ao céu uma oração, agora que estou vivo, e não uma missa cantada e celebrada, quando eu morrer...

 

Prefiro que me digas umas palavras de alento, agora que estou vivo, e não um dilacerante poema, quando eu morrer...

 

Prefiro escutar um só acorde de guitarra, agora que estou vivo, e não uma comovedora serenata, quando eu morrer...

 

Prefiro que me dediques uma leve prece, agora que estou vivo, e não um político epitáfio sobre a minha tumba, quando eu morrer...

 

Prefiro desfrutar de todos os mínimos detalhes, agora que estou vivo, e não de grandes manifestações, quando eu morrer...

 

Prefiro escutar-te um pouco nervosa dizendo o que sentes por mim, agora que estou vivo, e não um grande lamento porque não o disseste a tempo,

E AGORA ESTOU MORTO

 

 

Retirado do jornal,  Ecos do Sameiro, Setembro de 2014

 

 

 

Uma pergunta até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.

 

Alice Alfazema

 

Oração

02
Nov13

 

 

Não tenho por hábito visitar cemitérios, apenas vou quando tenho de ir, nunca para visitar ninguém. As minhas gentes não eram gentes de estar somente num sítio, presas de hábitos. As minhas gentes eram gentes de liberdade, por isso quando lhes quero falar vou para sítios onde os possa encontrar, onde haja liberdade, onde corra o vento, onde bata o sol, e eu veja a imensidão do azul do mar e do céu. É aí que os encontro, onde me esperam, não lhes levo flores, não lhes faço orações, apenas os abraço em meu pensamento. É no cheiro da Serra que os gosto de encontrar, nesse espaço de liberdade, onde o silêncio abunda, onde voam aves solitárias, onde passos de outrora voltam até de mim. E oiço os risos por detrás dos arbustos.

 

Subirei sozinha

alheia ao cansaço da viagem

 

Sonho

Grito

Canto

Desperto tudo ao meu redor

 

O Mar levanta-se

O Céu inventa-se 

 

É a palavra

em tempo de Amor.

 

Alexandrina Pereira



Alice Alfazema