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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Baixar a cabeça

04
Jun19

cafe.jpg

 

Ilustração  Catherine G McElroy

 

Quando baixas a cabeça sentes o aroma do café, quando baixas a cabeça vem-te à memória outros cafés. Sentes as férias e os dias felizes, sentes os dias de frio intenso, sentes que pertences ao mundo, sentes que as mãos que cuidaram destes grãos o fizeram com esmero. Sentes que é um privilégio poder saboreá-lo em paz ouvindo o cântico dos pássaros. É manhã fresca, é um outro dia, e aquele sabor que te percorre a garganta deixa-te feliz.

 

 

 

Conversas da escola - Encontro imediato

30
Ago18

Abri o portão e entrei sozinha na escola, a manhã ainda estava fresquinha, era fim de Agosto, os pássaros esvoaçavam por ali e a relva estava regada de fresco. Liguei o sistema, piquei o ponto e parto para a desactivação do alarme, coloco a chave na fechadura  e entro num outro local, sei que tenho pouco tempo até aquilo começar a apitar, sinto sempre um friozinho entre o entrar no espaço e o carregar na última tecla.

 

Já tenho os óculos colocados antes de abrir a porta (tenho que os por antes porque não posso perder tempo a colocá-los agora), uso-os para ver ao perto, na parede do meu lado direito tenho uns quadros de cortiça com vários avisos afixados, estico o braço direito para o teclado e roço o braço num dos quadros, pelo canto do olho direito vejo um rabo meio esverdeado e parecem-me ser pintas brancas, tudo isto está a uns dez centímetros da minha cara...um arrepio percorre-me a espinha, não posso fugir, nem gritar para aliviar a tensão, aquela porcaria pode disparar a qualquer momento, uns suores frios enchem-me o cérebro, a mão está a meio caminho de terminar a desactivação. Escolho esticar o dedo e continuar com a operação, finalmente consigo carregar no último dígito e saio dali em passo recuado e rápido. 

 

Sou uma heroína, venci o meu medo, do apito e da osga. 

Bom dia!

23
Ago18

Ilustração Joanna Woyda 

 

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá, bem preso à terra,
vibrando!



Aos arranques,
a fazer tremer a terra,
a querer voar
pelo ar
até pertinho do Céu…



Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá viver a sua inquietação
e ser verdade aquela ânsia
de fugir.
Não lhe cortem o cordel!
Poupem o papagaio à dor enorme
de cair,
papel inútil, roto, pelo chão.



Não lhe ensinem,
ao pobre papagaio de papel,
que a sua inquietação
é a única força que ele tem.



Deixem-no lá,
naquela ânsia de fuga,
no sonho (a que uma navalha
pode dar o triste fim)
de fazer ninho no Céu:
Sempre anda longe da terra, assim,
o comprimento do cordel…



Deixem-no lá, deixem-no lá,
o papagaio de papel!...


 
 
 
 
Sebastião da Gama, In Itinerário Paralelo