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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Sobre a violência

12
Fev22

Parece ter havido uma admiração geral na sociedade acerca dos planos de vingança do rapaz que foi apanhado pela PJ, e que são descritos até à exaustão nos  diversos locais noticiosos, estamos tão admirados como se fosse uma notícia inexistente no mundo.

A banalização generalizada da violência a qual consumimos diariamente  à hora da refeição, leva-nos a este genuíno espanto, como se fosse irreal acontecer no nosso mundo, sendo que pode acontecer a milhares morrerem de fome e pela guerra enquanto atafulhamos a boca com carne e esparguete, ou enquanto fazemos um prato saudável com frutos vermelhos, desconhecendo que para termos aqueles frutos no nosso prato as mãos que os escolheram trabalharam sem condições dignas de trabalho e ainda fazendo vista grossa a que o ecossistema fosse vandalizado em detrimento de questões chamadas de económicas.

Podemos ainda conceber elevadas audiências a programas diários televisivos que promovem a violência - quer no local de trabalho, quer nas relações pessoais - gerando verdadeiros combates ideológicos nas redes sociais, são também esses debates nas redes exemplo daquilo que espelha a violência existente na sociedade. 

Ignoramos profundamente o sofrimento provocado pelas desigualdades sociais, como se isso não fosse violência, desculpamos a corrupção como se não fosse violento as consequências que resultam desses actos. Reconhecemos como violência a considerar perigosa apenas aquela em que existem actos de sangue, cataloga-mo-la por cor, no entanto tantos actos de violência para além dos de sangue desencadeiam sofrimento, a fome e o desemprego também são formas de violência.

Revelamos o rosto dos criminosos de sangue como se de um filme se tratasse, porque é importante reconhecer de onde vem a violência, no entanto não fazemos com a mesma frequência a revelação  dos rostos dos pedófilos e daqueles que praticam bullying, é como se houvesse uma violência de menor importância.

O mais gritante de tudo é a tirania da indiferença quando nos cruzamos com as mais diferentes formas de violência, seguimos em frente sem darmos conta de que aquilo é errado, há uma ausência de remorso societário, o desconhecimento quase generalizado de que pertencemos também a tudo isto.

 

 

 

A irmã do vírus COVID-19 chama-se crueldade

05
Set20

paisagem.jpg

Ilustração Francisco Fonseca

 

Eu tenho uma janela para o mundo. Tu tens uma janela para o mundo. Eles têm uma janela para o mundo. Todos os dias o Sol incide a sua luz e o seu calor nessa janela. Todos os dias a Lua espreita por ela, umas vezes mais cheia, outras mais pequenina. Nessa janela acontece de tudo, há barulho, há silêncio, há roupa estendida, há plantas verdes. É uma janela com vidros frágeis, mas a paisagem tem muito alcance. Assomam-se nela aranhas e pequenos mosquitos. E veio um vírus, num ano metade/metade, com dois números iguais, duas fatias lado a lado, a saúde mental alterou-se por todo o lado, o medo anda no bolso de qualquer um, as pessoas não visitam a família, nem comemoram com jantaradas à roda da mesa de sempre, dizem que não querem contagiar ninguém. As pessoas pensam nos outros, têm um coração grande. Mas por detrás da janela que dá para o mundo mora um vazio que magoa, que cria raízes, que se entranha por todo o lado até chegar à janela. E as pessoas boas? As pessoas boas andam a comer em restaurantes e passear-se por tudo quanto é lado. Por aí há muito álcool gel e a limpeza é feita a preceito. E por onde anda o vírus? Esse está à janela daquele que ouve a desculpa.