Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

A irmã do vírus COVID-19 chama-se crueldade

05
Set20

paisagem.jpg

Ilustração Francisco Fonseca

 

Eu tenho uma janela para o mundo. Tu tens uma janela para o mundo. Eles têm uma janela para o mundo. Todos os dias o Sol incide a sua luz e o seu calor nessa janela. Todos os dias a Lua espreita por ela, umas vezes mais cheia, outras mais pequenina. Nessa janela acontece de tudo, há barulho, há silêncio, há roupa estendida, há plantas verdes. É uma janela com vidros frágeis, mas a paisagem tem muito alcance. Assomam-se nela aranhas e pequenos mosquitos. E veio um vírus, num ano metade/metade, com dois números iguais, duas fatias lado a lado, a saúde mental alterou-se por todo o lado, o medo anda no bolso de qualquer um, as pessoas não visitam a família, nem comemoram com jantaradas à roda da mesa de sempre, dizem que não querem contagiar ninguém. As pessoas pensam nos outros, têm um coração grande. Mas por detrás da janela que dá para o mundo mora um vazio que magoa, que cria raízes, que se entranha por todo o lado até chegar à janela. E as pessoas boas? As pessoas boas andam a comer em restaurantes e passear-se por tudo quanto é lado. Por aí há muito álcool gel e a limpeza é feita a preceito. E por onde anda o vírus? Esse está à janela daquele que ouve a desculpa. 

As passadeiras de praia

Lugares de risco

20
Jul20

praia.jpg

 

Ilustração  Marie Mainguy

 

As passadeiras de praia são lugares livres da pandemia, onde o turista pode andar livremente sem máscara, mesmo que ande a meio metro de outra pessoa que não conheça, o bicho não gosta de praia, nem sabe nadar. A areia é uma enorme aliada e protege os olhos dos perdigotos que possam querer se alojar nesses orifícios. 

 

Uma passadeira de praia nunca poderá ser considerada um lugar de risco, a não ser que haja alguma tábua solta ou partida, onde possas dar uma topada com o dedão do pé. Ali é o lugar perfeito para caminhares devagar, devagarinho, correres, ou vires em parelha de duas ou mais pessoas. 

 

De cada vez que passas por ali, sentes que é só desta vez. Até ser a vez certa. Pode até ser viciante. Todos se compreendem naquele espaço estreito e comprido, se fosse num supermercado seria diferente, mas ali à beira do paraíso, onde o bicho foge de nós a sete pés, não há problema, nem funcionários para nos infectarem, nem malta que mora em bairros problemáticos, nem gente que anda de autocarro, nem grupos de festas clandestinas.  Todos os espaços públicos deveriam de ter uma passadeira de praia, para quê esperar pela vacina? Quando a passadeira de praia está a ter tanto sucesso.