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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Dia Mundial da Criança

01
Jun18

 

Ilustração Migle Kosinskaite

 

 

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

 

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

 

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

 

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

 

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

 

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

 

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

 

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

 

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

 

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

 

 

 

Poema de Manoel de Barros 

Uma pergunta por dia: Porque não são os pais institucionalizados?

23
Out14

Não gosto que haja cada vez mais crianças institucionalizadas. Privadas de afecto, sem laços, sem memórias felizes. Enquanto aos pais nada lhes acontece, continuam na sua vidinha de sempre, tentando, tentando nada. Alguém me explica porque não são os pais institucionalizados, para que finalmente se consigam quebrar os ciclos viciosos da imensa estupidez que presencio todos os dias.

 

Uma pergunta até ao final do ano, quem quiser responder esteja à vontade.

 

Alice alfazema

 

Em vai e vem

18
Jan14

Todos os anos chegam à escola crianças e adolescentes vindos de instituições, são retirados aos pais, às famílias, vários motivos, várias estórias, vários dissabores e desamores. Todos os anos andam em vai e vem. Chegam sem raízes, sem amigos. Muitos chegam com raiva e em desassossego. Ficam por breves meses. Quando as raízes começam a crescer, quando a raiva começa a acalmar partem. Vão a caminho de outra instituição, vão a caminho de outra escola. Carregam assim as suas mágoas e emoções de terra em terra. 

 

São gordos, magros, baixos ou altos,  pretos ou brancos, ou de outra cor qualquer. Têm doenças. Sorriem. Entretanto desaparecem e é aí que dou por falta deles. Poucas despedidas. Desaparecem a meio do ano, como quem apaga o que ficou escrito no giz do quadro. Não interessa se foi um sucesso, o que conta é o tempo estipulado para a estadia em cada instituição, são números, apenas números. Não há emoções apenas números, que se escrevem em relatórios pomposos com escrita relevante ao assunto em questão.

 

 

Alice Alfazema

 

O tempo hoje é de água

11
Abr13

 

Os olhos do puto não têm brilho. A sua pele é macilenta. Quando se ri o seu riso limita-se a um pequeno esgar. Está sempre revoltado, com tudo e com todos. Não passou pela infância. Não sabe o que quer, nem o que há por querer. Menos de 1,50 m de altura. Talvez, trinta quilos de peso. Dez anos de idade. As tags do momento são: moda, comida, e sexo.

 

 

Alice Alfazema