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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Quantas mães deitaram os filhos no lixo

10
Nov19

A mãe que deitou o bebé no lixo chama-se Sara e tem 22 anos, não tem morada, nem cama, nem nada (gosto deste texto pela verdade que descreve). A mãe que deita o bebé na rua e não lhe dá o pequeno-almoço, nem conversa com ele, nem quer saber se vem bem vestido para a escola, a mãe que engorda o bebé como se fosse um porco para a matança, a mãe que grita e bebe e só quer saber de redes sociais, a mãe que muda de namorado todos os meses, a mãe que deixa sempre o filho na avó, a mãe que trabalha até mais não, procurando apenas o trabalho, a mãe que não abraça, a mãe que não afaga, a mãe que tudo compra para compensar o resto, a mãe criançola, a mãe destrutiva, a mãe deprimida, a mãe noctívaga, a mãe que se preocupa mais com o tamanho das unhas e as madeixas do cabelo, a mãe que quer ser irmã em vez de mãe, a mãe porca e desleixada, a mãe stressada, a mãe que culpa os filhos, a mãe que exige que se comportem como adultos, a mãe que desculpa tudo, a mãe que não impõe regras. Todas estas mães deitaram os filhos no lixo. 

Para além dos livros azuis para menino e dos livros rosa para menina

26
Ago17

 

Ilustração  Prudence Flint

 

Quando um homem me diz
Que eu sou bonita
Eu não acredito.
Ao invés disso, eu revivo os meus dias no colégio
Onde não importava o quão boa eu fosse
Eu sempre era a menina de bigode

 

Ele não sabe o que é
Crescer com a sua família materna
Quando o seu corpo é o único
Que com orgulho mostra o [cromossomo] X do seu pai
Enquanto o X da sua mãe fica de lado e sente pena
Da sua falta de atitude feminina

 

Ele não conhece a adolescente
Que encheu os seus cantos com
Consolos vazios de
Ser amada por quem ela era – algum dia.
Ele não conhece a hipocrisia.

 

Ele não sabe do mundo que
Diz para você ser ‘você mesma’
E te vende justo e adorável cartão de vergonha
Ao mesmo tempo

 

Ele não sabe da cera quente e do laser
Cujo único propósito é
Substituir a nossa pele inocente
Com a sua própria marca de feminilidade

 

Ele não sabe do descolorante
Que desenraiza o seu robusto cabelo
Em nome da higiene
Higiene que, quando seguida pelos homens,
Faz deles gays e nada masculinos.

 

Ele não sabe como domar as sobrancelhas espessas
E como as monocelhas morrem silenciosamente
Tudo para preservar a beleza
E dos torturantes milagres que acontecem
Dentro das portas marcadas com
SÓ MULHERES

 

Então quando um homem diz que eu sou bonita
Eu lhe dou um sorriso. Um sorriso que fica
Depois de tudo que as faixas arrancaram
E eu o desafio
A esperar
Até os meus pelos crescerem de novo.

 

 

 

Poema de Naina Katarina

 

 

Alice Alfazema