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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Elogio

06
Mar19

Quem trabalha com o público sabe o quanto o elogio é desvalorizado. Eu que atendo milhentas pessoas raramente oiço elogios. O que oiço muito são reclamações. Parece-me que as pessoas não foram instruídas para ver o que de bom há em todo lado, ou então apenas se levantam para dar a sua opinião apenas naquilo que é menos bom, como se essa opinião fosse mais valiosa que a de dizer que isto está bem, que é bom. 

 

Já tenho dado elogios pessoalmente às pessoas que me atendem, e até a outros que atendo, nunca escrevi no livro dos elogios, não me lembro, talvez porque o mesmo devia de estar visível aos olhos de todos.  

 

No entanto já dei elogios por escrito, assim, no sítio onde trabalho tenho que fazer a minha auto-avaliação, antes esta avaliação profissional era feita todos os anos, agora é bienal, portanto temos que nos lembrar daquilo que se passou durante todo esse tempo, dizem-nos para apontarmos aquilo que se passa, fazermos um diário de bordo. Não concordo com a auto-avaliação, nem em concordarem ou não com aquilo que digo, pois o que para mim pode ser importante, para quem avalia pode não o ser, ou porque aquele lugar em que estou não é decisivo, ou porque as avaliações são sempre resultado das cotas que têm de dar. Para mim são precisos dez anos para subir na carreira, o que resulta em dez pontos, o meu mérito tem pouco a ver com isso tudo, como se pode comparar o meu trabalho com o do psicólogo da escola, e estamos os dois nas mesmas cotas. Este ano houve o aumento salarial do ordenado mínimo público, como já ouvi chamar, sendo assim só nos próximos dez anos terei outro aumento, o que é bom em termos de despesa com elementos da função pública.  Mas continuarei a fazer as auto-avaliações. 

 

Mas voltando ao livro dos elogios, no qual nunca escrevi, onde escrevo eu os meus elogios? Escrevo nas minhas auto-avaliações, ou seja naquele pedaço de folha que me pedem para referir "outros" que contribuíram para o bom desempenho do meu trabalho, quando penso ser relevante refiro o nome de colegas, e já o fiz várias vezes, fundamentando a minha opinião, porque penso que trabalho em equipa e se essa equipa resultou temos que dar o mérito a outros e não apenas ao nosso esforço. 

 

 

 

 

Conversas da escola - Rentrée

02
Set17

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- Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Aiiiii! Aii! Ai que horror! 

- Ai meu Deus, que horror!

 

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- Ai que horror. Ai que horror.

- Aqueles olhinhos a olharam para mim. Ai que horror.

 

 

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- Eu sei que aquilo não está vivo...

 

 

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Exemplar de osga encontrada por mim no Verão de 2017, perto de uma parede e junto a ervas rebeldes que cresciam sem ninguém lhes ter dado autorização para isso. Morta e já seca, mumificada, sem nada por dentro, sem olhinhos, totalmente morta, que não mexe mesmo, que não vai voltar a ficar viva, que nunca mais vai fugir da água ou de alguém, mas que ainda aterroriza mulheres adultas e poderosas. Sim eu venci o medo e peguei-lhe, primeiro com luvas, depois já nem isso, e porque venceste o medo Alicinha Contina? Porque a vontade de pregar partidas é maior que o meu medo.

 

Ai que horror!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

 

Março dia 18 - Mulheres que trabalham nas escolas públicas

18
Mar17

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Há onze anos que trabalho numa escola pública, como assistente operacional, que antes era chamada de auxiliar de acção educativa. Na entrevista de candidatura perguntaram-me se eu tinha problemas em fazer limpezas, naquele tempo não percebi a insistência na pergunta, alguns meses depois, e durante os anos seguintes senti no corpo a razão daquela pergunta. Cheguei a ter mais de oito salas de aula por limpar, mais a soma da zona de recreio onde abundam árvores, canteiros e lixo espalhado pelo chão.

 

Ainda hoje não sei realmente a verdadeira função de uma assistente operacional na escola, tenho muita dificuldade em perceber o que sou no meu trabalho, às vezes sou varredora, outras empregada de bar, noutras administrativa, sou ainda vigilante e mediadora de conflitos. Também já fui costureira e pintora nos tempos mortos. No entanto, por vezes estou coberta por uma capa invisível como o Harry Potter, às vezes sou bruxa má, noutras sou fada madrinha.

 

Tenho também dificuldade em perceber o porquê de as acções de formação para assistentes operacionais serem praticamente inexistentes ou então resumem-se a primeiros-socorros e à higiene e segurança no trabalho, há ainda outras dificuldades quanto ao salário e à denominação do nome da carreira, por exemplo se eu trabalhasse num politécnico estaria na carreira de assistente técnico,  mas isso são contas de outro rosário...

 

Desta forma decidi pedir às minhas colegas que me definissem o que significa para elas ser assistente operacional numa escola pública, aqui estão as suas palavras, deixo também fotografias que tirei na escola ao longo dos anos e que demonstram como cuidamos da nossa escola que é para nós como uma segunda casa.

 

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É saber aconselhar e dar atenção quando necessário.

 

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É ser pau para toda a obra. É ter de saber fazer de tudo e mais alguma coisa. É ser invisível na maioria dos casos. É dependendo da situação não fazer falta nenhuma.

 

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É estar desmotivada, mas ter ternura para dar.

 

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Ser assistente operacional é participar activamente na comunidade escolar, é participar nas actividades extra curriculares, mas infelizmente não é exactamente essa a realidade.

 

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É como ser dona de casa! Fazer de tudo um pouco e às vezes o seu valor não ser reconhecido. Somos amas, educadoras, enfermeiras, administrativas, empregada de limpeza, vigilantes, confidentes, amigas, jardineiras, telefonistas, cozinheiras.

 

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Nós somos um bocadinho de tudo, ao lidar-mos com meninos com necessidades educativas especiais. Trabalhamos com meninos que andam em cadeira de rodas, que se movem através de andarilhos, que não falam, somos pois enfermeiras, mudamos-lhes as fraldas, damos-lhes de comer, vemos se têm febre, temos de saber actuar caso seja necessário, somos portanto um bocadinho de tudo, enfermeiras, psicólogas, educadoras, mães...

 

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Ser assistente operacional numa escola deveria ser um complemento ao professor na sua ausência; durante os tempos livres zelar pelo bom comportamento dos alunos e auxilia-los quando necessário. Eu assistente operacional, sou empregada de limpeza e criada a tempo inteiro durante as 7h ou mais se necessário quer para professores, pais ou alunos. 

 

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É ser colaboradora dos professores. Para ser mais precisa, envolve tarefas simples como ir buscar um livro de ponto, dar um recado, ou levar um aluno à direção quando está a ser incorreto na aula. É uma profissão que envolve algumas tarefas diversificadas, mas em todos os postos de trabalho temos um contato próximo com alunos que nos permite ser: amigos, confidentes, enfermeiros, psicólogos e alertar os professores para alguns possíveis perigos...quer de maus tratos em casa ou até de bullying. Somos poucos assistentes operacionais, mas sem nós as escolas não podem (não devem) funcionar. Cabe-nos também a tarefa de manter os espaços limpos e em bom estado de conservação.

 

 

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A maioria das  pessoas não tem a noção daquilo que é ser "assistente operacional" numa escola, alguns pensam que levamos o tempo sem fazer nada, mas façam uma simples reflexão: se para educarmos um filho exige muita perseverança imaginem o que é exigido para mais de 700? Algumas pessoas pensam que a escola é simplesmente o "contexto de sala de aula", então no resto do tempo os miúdos desaparecem como que por milagre? E as problemáticas sobre a violência em meio escolar acontecem apenas em "contexto de sala de aula? Tenho-me deparado ao longo dos anos-lectivos com a recepção à comunidade educativa, para quem é a recepção? Adivinhem? Homenagens? A quem? Esta malta não trabalha em contexto de sala de aula. Até o uniforme é uma coisa do além, desde batas às florzinhas, outras aos quadradinhos...será que custava muito definir a coisa a nível institucional? Quanto ao salário, basta o ordenado mínimo nacional, isto porque as tarefas são todas muito básicas. O próprio Estado promove este pensamento retrogrado ao nivelar por baixo estas funções, quanto ao resto da sociedade...experimentem exercer esta função durante seis meses, depois contem-me.

 

Obrigada colegas!  

 

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Um abraço da Alicinha Contina, para todas as continas do mundo e arredores. 

 

 

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

Eu refilona me confesso

06
Ago14

Ilustração Simona Ciraolo

 

Num dia destes, estava eu num refilanço genuíno, quando me lembro de que há quem diga que fui feita a refilar, irrita-me. Eu gosto de refilar. Gosto tanto como de me rir. Gosto desta imagem que é tal e qual o refilanço puro em silêncio. Em conversa, a semana passada, afirmei que quando morrer ainda hei-de ir a refilar dentro da caixa, com uma mão de fora, mas depois lembrei-me que quero ser cremada, diz-me uma colega, não te preocupes, ainda tens o caminho até ao crematório para refilares. Rimos a bandeiras despregadas.

 

Alice Alfazema