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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Para aqueles que pintam ideias

como se as palavras fossem cores (e não coisas meramente intelectuais)

21
Mai23

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É interessante vermos quantas vezes mudamos ao longo da vida, do sentimento que tivemos inicialmente, qual semente perdida no cosmos individual, cuja capacidade é infinita, consoante o momento e a ocasião vivida. 

Já fui árvore junto dos meus, já fui erva daninha para muitos, mas aquilo que sou pouco importa agora neste exacto momento, porque fui feita de muitas ocasiões. Projectar-me para fora de mim é um exercício aliciante, permite-me exercer o meu livre arbítrio de forma silenciosa e solitária. 

Recorro a um dicionário que é só meu, cujas palavras apenas têm o seu significado segundo as minhas próprias experiências, a ninguém mais interessa o valor que lhes dou, são segundo os meus valores e as minhas crenças as quais sinto e vejo à minha maneira, no entanto admiro-me sempre que encontro outros como eu, sinto-os  como velhos conhecidos no tempo e no espaço, coisa estranha de se dizer, muito mais de se escrever, e aí encontro a mesma casa, cada qual com a sua entrada.

Tenho recordado pessoas, sensações, ideias e sentimentos, não só de pessoas que conheço realmente, mas também daquelas que apenas conheço nas suas palavras, não é reflexão que se faça num só dia, são coisas de anos, e chego à quase conclusão que as conheço, que precisava daquela ideia para alavancar outras, que os sentimentos são comuns, que algo nos fez caminhar de encontro ao mesmo carreiro, no entanto continuo à procura, tal e qual uma formiga num carreiro já conhecido, ou como raízes de árvores que se entrelaçam abaixo do solo, sem que ninguém perceba a conexão, coisa invisível, mas que está visível, tanto em baixo como em cima. 

Pensar por pensar, numa busca de ideias sem pretensões de chegar a uma opinião, porque as opiniões mudam e as ideias fluem alcançando outras sinapses, as opiniões são elementos académicos, enquanto as ideias são criatividade pura, chegam de rompante e depressa se esfumam é preciso agarra-las, mas elas não se querem em gaiolas, querem-se livres para que outros possam também usufruir desse lado ilógico do Ser.

Pergunto-me o que tenho trazido e o que levo comigo, sei que agora é mais que ontem, mas o futuro pode ser menos que o presente, no entanto isso não é impedimento de nada, são opções.

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros. Treze anos disto.

Estou de viagem

19
Fev21

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Ilustração Andrea Calisi

Pode parecer repetitivo, e é. É como se andássemos naquela roda de rato, andando sem parar, sempre no mesmo sítio. E é isto que perdura há cerca de um ano, enquanto arrastamos connosco a mala cheia de dúvidas, medos, projectos. E o caminho continua, estamos a vê-lo, uns dias estreito, outros largo, mas há medida que o tempo passa, a mala vai estando mais pesada, e não podemos parar, porque o tempo não pára, continuamos, como numa maratona, doendo, doendo, já sem dar por isso, apenas seguimos.

Tenho feito, grande parte desta viagem por aqui, foram muitas horas aqui a partilhar as minhas emoções, confesso que isso me fez muito bem, deu leveza à minha mala.  

 

 

5000

22
Dez20

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Ilustração Olga Demidova

 

Era uma vez uma estrela e um estrelo que viviam no profundo azul do espaço, utilizavam a sua luz para emitirem as suas emoções e comunicarem um com o outro, assim mesmo estando longe pareciam unidos por aquilo que sentiam. Não utilizavam sorrisos, nem sabiam o que eram abraços, os seus sentimentos eram transmitidos através da canalização de uma energia mental que poderia ser utilizada sem limites. Uma vez de cinco mil em cinco mil anos sentavam-se na Lua, quando ela estava em quarto minguante e aí tocavam-se levemente para poderem adquirir um outro brilho, nunca podiam estar mais de dez segundos juntos, porque podiam desaparecer numa explosão de cores, apesar de saberem que isso poderia ser um fim majestoso e unificá-los, preferiam separar-se e iluminar cada um o seu espaço. Então, num repentino clarão de luz os dois separaram-se deixando cada um rastro de luz violeta que se esvaiu em diversas direcções dando origem a mais estrelas e estrelos minúsculos que tentavam encontrar a melhor forma de iniciar o seu caminho, seria longa esta viagem, alguns teriam sucesso quando encontrassem o seu brilho, saberiam o que fazer com ele e o espalhariam a outros, numa dinâmica perpetuada no rendilhado nocturno.

 

 

 

Resiliência

17
Set20

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Vamos começar agora uma nova fase da pandemia, uma fase em que será necessário uma forte resiliência, em que devemos, mais do que nunca, estar atentos aos riscos físicos, é certo que possuímos a informação para a nossa protecção, aquela que se julga apropriada à situação. Mas ninguém nos prepara para a solidão, para o vazio, para a falta de afecto, não que não haja isto tudo, mas falta a presença, falta o calor do abraço, o toque dos beijos, e a espontaneidade disto tudo.

 

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Vamos imaginar que o tempo vai passar rápido, vamos dar voz à nossa falta, porque é preciso interagir de outras formas, e nos motivarmos, e trocarmos experiências, e fazermos valer a sabedoria que há na amizade e na diversidade. Porque a saúde mental não deve ser descurada em prol da física, porque uma complementa a outra. Assim como no bosque a águia domina o dia e a coruja domina a noite. Assim como a árvore se curva a favor do vento. Assim como o girassol segue a luz que nos dá vida. Assim tudo isto vai terminar um dia, mas até lá eu, tu, nós estamos juntos no mesmo caminho, percorrendo lado a lado uma época que ficará para a História. Eu estarei aqui, e espero por vós aí desse lado. Mesmo que eu não responda a comentários, estarei aqui, colocando um poema, escrevendo um texto, partilhando fotografias, cozinhados, um pedaço do meu dia - acima de tudo preencher o vazio de quem vagueia e dar sentido ao meu. 

 

As fotografias são de Anthony - A Bucci Photography