Bafio
Ilustração Anna Lazareva
Num ímpeto de rápida liquidação de stock, atirei
para a montra do poema tudo o que tinha em reserva:
imagens, símbolos, metáforas, sinédoques, e
também aliterações e rimas, ficaram ao sol,
por trás do vidro sujo da estrofe, à venda
pelo melhor preço. Pouco importa que houvesse
alguma flor de retórica ainda com as cores vivas
de um sentimento recente, ou uma invocação
feita de anáforas frescas como a erva do campo:
foi tudo a preço de saldo, e quem não
quiser comprar leva de brinde a chave de ouro
de um soneto em segunda mão, e se ainda assim
protesta vai para o gabinete das provas
de onde pode espreitar o rosto da musa
despenteada sob uma chuva de hipérboles. E
foi assim que os armários do verso ficaram vazios,
e os pude limpar do bafio da inspiração.
Poema Nuno Júdice