#MEDOO
Quando eu tinha dez anos de idade andava no 1º ano do ciclo preparatório, vulgo 5º ano hoje em dia, eu era uma miúda teimosa e não alinhava naquilo que os outros queriam. Os pais não nos iam buscar à escola e era frequente os rapazes apalparem as raparigas à saída da escola, ou tínhamos que sair primeiro que eles ou esperar que passasse a enxurrada de gente, e aí então podíamos sair calmamente sem termos de estar constantemente a olhar para trás.
Eu vinha habituada a uma escola primária sem ter grandes problemas com outros miúdos, aqui nesta escola a coisa já piava diferente, haviam os repetentes, geralmente rapazes bem mais velhos, mas também algumas raparigas que se julgavam as rainhas do pedaço.
Eu era pequena em relação a essas pessoas, mas quando me davam os ataques de injustiça agia sem medir as consequências. Um dia uma dessas raparigas que tinha a mania que mandava e os outros obedeciam ou levavam meteu-se com uma das minhas amigas, ameaçava-a, dava-lhe cabo do juízo, não havia um recreio em sossego. Então eu o que faço? Vou lá tomar satisfações e perguntar-lhe o porquê de ela fazer aquilo, porque eu não entendia, não percebia a violência gratuita.
Estávamos então no meio de um circulo de gente, nós as duas, ela com os olhos avermelhados de raiva e eu a sentir-me cada vez mais pequenina. Pensei, ela vai bater-me, vou apanhar uma tarosa aqui à frente de toda esta gente, vai ser feio, mas se tem de ser vamos a isso, se é para levar vou ser a primeira a dar, e espeto uma bofetada com a maior força que a raiva me dava. Fico então à espera do retorno. Foi um momento muito longo, ela não reagia. Espetou então o seu indicador na minha cara e disse-me: Eu não te bato porque eu gosto muito de ti. Eu fiquei aliviada e ela nunca mais chateou a minha amiga. A sua atitude mudou por completo e tornou-se numa pessoa menos agressiva.
Noutra situação, e nesse mesmo ano, na segunda aula de matemática, a professora colocou ao meu lado um rapaz já crescido, desses repetentes que sabem a escola toda. Não gostei, aturei-o na primeira aula, mas à segunda não aguentei, ele por baixo da mesa apalpava-me a perna e tentava subir com a mão por aí a cima. Chamei-o à atenção. Ele continuou sem ligar àquilo que eu lhe dizia. A professora estava de costas para a turma e a escrever no quadro. Porque é que eu tinha de aturar aquilo? Não tinha e pronto! Ele ria-se e continuava. A fúria entrou em mim.
Peguei na esferográfica, uma Bic, daquelas que ainda se usam hoje em dia, olhei para o braço dele, manga curta, até me lembro da cor, cor de merda, castanho claro, ele a rir e a curtir o que estava a fazer. Tenho então a caneta já pronta na mão e desfiro um golpe no braço dele, acertando estrategicamente fora da camisa, num golpe perfeito de quem dá uma vacina, sinto a caneta a furar e afundar na carne. Ao mesmo tempo que eu me sinto vitoriosa ele dá um grito que faz a professora virar-se e perguntar o que aconteceu.
Todos olham, ele diz que eu lhe espetei a caneta no braço, enquanto agarra o braço a tentar acalmar a dor, a professora fica calada durante uns momentos a olhar para mim, depois pergunta-me se é verdade, eu digo que sim, ela olha de um para o outro e diz que vou levar falta a vermelho, ou seja directo para a rua. Eu então digo que ele me estava a apalpar e que eu o tinha avisado para acabar com aquilo, digo também que não quero mais ficar ao lado dele na aula. Ele continua calado. A professora pensa um pouco e diz, deviam de ir os dois para a rua, mas como hoje é a segunda aula de matemática vamos ficar por aqui. Havia um silêncio ensurdecedor na sala. A professora virou-se outra vez para o quadro e continuou a escrever. A peste ao meu lado dizia-me que lá fora é que eu ia ver. Eu calada.
Saímos da aula e as raparigas vieram falar comigo, fizeste bem, não sei como conseguiste, uma grandona disse-me que se ele viesse ter comigo tinha que ajustar contas primeiro com ela. Sabem que mais? Passei a ter outro companheiro de carteira e ele não mais voltou a chatear-me, pois aquele anjo grandão estava sempre atento.