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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

As bolas e as riscas

24
Jul20

Estive a arrumar uma estante e fico sempre surpreendida com o lixo que acumulo. Nestes últimos tempos tenho conseguido livrar-me de bastantes coisas, o truque é fazer aos poucos, e deitar fora sem pensar, mais ou menos como quando esprememos uma borbulha, dói, mas tem de ser. O pior é que eu dantes nem acumulava nada, na Primavera fazia uma razia, agora é isto, mas não pode ser. Para além disso não tenho comprado coisas inúteis. Apenas o indispensável. Há meses que não coloco brincos, nem perfume. E são coisas das quais gosto, mas parece-me demasiado: brincos e máscara. Máscara e perfume. Não dispenso no entanto os cremes: mãos, rosto, corpo. Isso faz-me sentir feliz. Pele seca é pele nua. 

 

 

jarro às bolinhas.jpg

 

 

Esta semana foi diversificada, houve trovoada, chuva, imenso calor, e agora o vento uiva na minha janela. A normalidade dos dias é feita com o acompanhamento das notícias sobre a pandemia, todos os dias se revelam os números dos mortos pela COVID-19, às vezes até me dá a sensação que estão a dar um sorteio, e fico a pensar: poderiam acrescentar os que morrem de coração, de problemas respiratórios devido à poluição, de cancro, de fome, de conflitos armados...enfim colocavam uma lista de todos os tipos de mortes para podermos comparar e através dessa leitura de dados poderíamos criar estratégias para diminuí-las, ou quem sabe erradicá-las. É só uma ideia. 

 

 

jarro às riscas.jpg

 

Parece-me que este nosso mundo anda a precisar de uma grande arrumação, isto de varrer o lixo para debaixo do tapete já deu o que tinha a dar. Amanhã tenho uma montanha de roupa por passar. A quem é que interessa isso? A mim, só e simplesmente a mim. É tal e qual o mal do mundo, cada um preocupa-se com o seu. 

 

 

Ilustrações de  Elena Vavilina

 

Regeneração

03
Ago18

 

 

 

Ando a fazer umas limpezas cá em casa. Estou a forrar os armários da cozinha, gosto de abrir os armários e as gavetas e ver algo colorido lá dentro, mania minha. Este ano são morangos, vermelhos e grandes. Também acho prático e ajuda a manter e a proteger os materiais durante mais tempo. Estão a ficar catitas. 

 

 

 

 

 

Este ano quero me livrar de tudo aquilo que me é inútil. Coloquei uns copos que tenho há muitas luas a uso, são bonitos e trabalhados, daqueles em que se serve uísque, a minha filha protestou dizendo que são giros e assim estragavam-se, respondi prontamente, que isto da idade nos dá outra sabedoria: Não ponho a uso? E depois o que acontece? Todos os anos tenho de lava-los e guarda-los, nisto já vai mais de vinte anos, entretanto eu vou desta para melhor e tu vais doa-los para serem sorteados numa quermesse qualquer, assim uso eu! Houve uma concordância silenciosa e o pai disse: a tua mãe quer libertar espaço. Isto nos homens é sempre uma questão técnica.  Com estes copos hei-de dar uma  jantarada para que fique claro que servem para alguma coisa e também para adquirirem uma boa energia sempre que se vejam em cima da toalha. 

 

 

 

 

Isto das limpezas é muito doloroso mentalmente, mas ao mesmo tempo é libertador. Ao nos livrarmos daquilo que não desejamos cria-se espaço mental e físico para um outro tipo de energia, no fundo regenera-nos. 

 

 

 

 

Esta é uma limpeza preguiçosa, está muito calor. Vou fazendo e relaxando em cima do sofá, mais um copito de água. Volto à tardinha, que já está mais fresquinho, desconfio de que quando acabar, estarei pronta para uma nova ronda. 

 

 

 

 

 

Ilustrações de Jennifer Balkan