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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Daqui até ao Natal -16

04
Set24

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mais importante que ter uma memória é ter uma mesa
mais importante que já ter amado um dia é ter uma mesa sólida
uma mesa que é como uma cama diurna
com seu coração de árvore, de floresta
é importante em matéria de amor não meter os pés pelas mãos
mas mais importante é ter uma mesa
porque uma mesa é uma espécie de chão que apoia
os que ainda não caíram de vez

Ana Martins Marques


Dou por mim a pensar se reconheceria as vozes que outrora me chamaram, ou até os rostos, é inevitável a perda da memória à medida que o tempo nos afasta das pessoas vividas, então de repente ao virar de uma esquina, lá está um corpo parecido, vestimenta e corte de cabelo idêntico, aquela pele fininha e coberta de manchas castanhas da idade, e fico ali parada, a disfarçar que estou a olhar um pormenor qualquer, remexo a mala e ajeito os óculos de sol, dou novamente uns passos e olho para trás, um pensamento idiota vem-me à mente: e se eu lhe pedisse para lhe dar um abraço será que me deixava fazê-lo? Depressa se desfez o pensamento, começo novamente a andar, não olho mais para trás, mas arrependo-me, de não ter tido a ousadia suficiente. 

Outono

2021

22
Set21

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Ilustração 제딧

Curiosamente começa hoje o Outono no hemisfério norte, e está lua cheia, todos os anos repetimos este ritual, não me lembro se será sempre com a lua cheia, como se fosse algo novo, e sem dúvida que o é. 

Para mim faz mais sentido começar agora um novo ano, é agora que me despeço do ano velho, olhando para a Natureza vejo como ela se despede das folhas velhas, como se refazem  os cogumelos, amadurecem as romãs e as castanhas, vejo que as andorinhas já se foram sem que eu desse por isso, deixaram de voar por entre as grandes árvores. 

Oiço o vento com um outro timbre, as folham que esvoaçam, ainda agarradas aos ramos, deixaram de ser maleáveis, são agora secas e quebradiças, estalando a cada sopro. São sons de outono. Os pássaros cantam mais tarde pela manhã, há uma redução na diversidade dos chilreares que oiço através da janela, sei que agora se dirigem para outras bandas, desejo-lhes boa viagem. 

No outono a vida desacelera, apesar de termos deixado para trás os meses de férias,  acontece querermos dormir mais aconchegados, comermos sopa quente, voltarmos à chávena de chá antes de dormir.  As cores misturaram-se e tornaram-se numa palete vibrante de castanhos e vermelhos mansos, lembrando que é hora de acalentar o corpo.

 

 

 

Campo aberto

10
Fev15

 Pintura  Andrei Belichenko

 

Tudo frutificou: o campo estava aberto,

deu aconchego e raiz a todas as sementes.

 

Sebastião da Gama

 

Olhai os lírios do campo que já começam a florir e as amendoeiras que despertam deste Inverno frio. Erguem-se esbeltas as arvores de folha caduca, esperam por nova vestimenta, deixam entrar o Sol, ainda fraquinho, e tu que esperas, depois deste frio nos deixar?

 

Alice Alfazema