Somatório
Há momentos da nossa vida em que nos questionamos sobre tudo. E em que as respostas parecem não existir ou pelo menos que nos satisfaçam, como se as respostas se direccionassem para outras perguntas, coisas das quais não queremos saber. É um questionário cíclico a que toda a gente se submete de livre vontade ou não.
Não queremos saber dos somatórios, numa aversão cega da verdade ou da conclusão. Empurra-se com a barriga o que se leva nas mãos ou na cabeça. Demasiado para alguns, leve para outros, desprezível para uns tantos.
Dá-se passos sigilosos, mansos e obedientes, onde se buscam compensações, por sermos subservientes. Como mulas carregadas de carga que relincham apenas sós e na noite, sem testemunhas que levem a mensagem da sua revolta e da sua desilusão.
Mantêm-se os sorrisos interesseiros, na esperança do final de contas, mas a conta nunca acaba, naquele livro de capa preta e riscado a lápis, onde a qualquer hora podem alterar-nos a soma. Entretanto fazem-se favores, como meios de troca, outrora eram búzios e conchas brilhantes, hoje podem ser boatos, conversas ouvidas, um botão velho, um caco de espelho.
Guardam-se então os livros das somas para as ocasiões especiais, afiam-se os lápis para poderem estar sempre prontos, mas não há estojo, nem prateleira. Nada pode ficar à vista, é tudo superficial, para que se esfume a qualquer momento, sem provas, sem culpa, sem nada de que se possa falar.
Ilustrações Paul Jones