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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Primavera

2022

20
Mar22

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Hoje começa a Primavera, da minha varanda vejo as grandes árvores, estão repletas de rebentos, os pássaros pousam nos ramos juvenis feitos à medida das suas pequenas patas, depenicando os ramos naquilo que restou do Inverno. A chuva hoje caiu em modo proveitoso, deixando nos pequenos ramos pérolas de variados tamanhos. O céu manteve-se cinzento quase todo o dia. 

A estação do ano que reflecte a abundância do nascimento dos verdes, do namoro entre os pássaros, do despertar da vida que se manteve em suspenso durante o Inverno.

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Mas não é só a Primavera que se repete, também a guerra se repete na Europa, como se fosse uma etapa obrigatória a ter de ser repetida. Milhões de refugiados ucranianos deslocam-se com os poucos pertences que ainda possuem, é impossível sentir-me confortável perante as imagens e os relatos descritos por estas pessoas. É uma Primavera que começa triste.
 
Nas televisões a guerra é relatada pelos jornalistas que fazem a reportagem para que a liberdade não morra de silêncio.
 
Nesta guerra onde a Ucrânia foi invadida pela Rússia a novidade maior são os misseis hipersónicos, o invasor descreve a capacidade de destruição desta poderosa arma, exibindo-o como uma tarefa fálica.  Depois, demonstra aquilo de que são feitas as mentes perversas: o ataque a civis, a velhos e crianças, maternidades, escolas, hospitais.
 
Surpreendentemente ainda há gente que acredita nas suas palavras, como se ainda vivêssemos na Idade Média e os mensageiros trouxessem as notícias através de carta. É a propaganda, fazendo-nos recordar a caça às Bruxas, vê-se que andam por aí muitas fogueiras acessas no mundo virtual, são muitas almas à roda do pelourinho esperando atirar a sua pedra. 
 
Na calamidade que é esta guerra, como são todas as guerras, a Primavera vem de mansinho, chorosa, cinzenta, procurando fazer o que lhe é devido renovar o pacto com a vida. 
 
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
.
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
 
 
Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, in O nome das Coisas
 
 
 

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