O Sol
Ilustração Elisa Chavarri
O Sol para uns é algo bonito, para outros não passa de algo comum a que nos habituamos a ver todos os dias, mesmo que esteja escondido, sabemos que está lá na mesma. Uns preferem ver o nascer do Sol, outros o pôr do Sol, eu prefiro o primeiro, gosto de expectativas, de começos, da manhã, da energia a crescer, de ver a Natureza numa azáfama para acolher um novo dia, os zumbidos das cigarras em pleno Verão sob um Sol abrasador. Encantam-me os pássaros que acordam cedo dando ordem de levantar para os mais dorminhocos. Há dias acordei às quatro e meia da manhã com um desses cantores matutinos. Acordem, acordem, dizia ele na sua voz melodiosa, que palavras bonitas podem dizer-se através do canto dos pássaros? Que entendemos nós, seres mais inteligentes do planeta, desta linguagem? E de outras? E até da nossa própria linguagem? Eu digo doce, mas há quem diga que não é, ou outros que dizem que é enjoativo, e se acrescento mais qualquer coisa há quem já não entenda que é doce e assimile outro estado de degustação.
E o Sol estava a ler, um livro muito complicado, porque a cada minuto tinha de parar para reflectir sobre a linguagem utilizada, uns diziam isto, outros aquilo, uns tantos aqueloutro, tudo misturado parecia que nada dizia com nada. Então decidiu escrever sem palavras, escreveu a Primavera, o Verão, o Outono, o Inverno, mas quase ninguém entendia que tudo era diferente, porque já tinha sido igual. E os anos passaram, uns morreram e outros nasceram, as paisagens ficaram diferentes, os pássaros cantaram, quase sempre o mesmo canto, e ninguém entendia a canção, porque para deslindar esta linguagem não se utilizam os sentidos. Observou-se e registou-se o som, e ele esteve sempre ali para quem o podia ouvir, anos e anos. Até desistirmos de entender e começarmos a sentir o que realmente andamos aqui a fazer.