O que temos de mais precioso?
Hesitante entrou numa cadeia de fastfood alemã que serve peixe. Era um desses dias claros e de termómetro benevolente. A velha senhora era alta, vestida de branco. Cabelo alvo, penteado com aprumo e preso por ganchos. Encomendou a refeição e sentou-se, com dificuldade. Deve ter sido uma mulher belíssima. Ainda o é no Inverno da vida. A postura das costas esculpia uma estátua. Pegou nos talheres com as mãos descarnadas, mãos de velha, gastas pelos anos, talvez pelos afagos. Caíram. Voltou a tentar. Caíram de novo. Tremiam-lhe as mãos. Fechou-se-lhe o rosto. Sem uma palavra o empregado, no início dos vinte anos, sentou-se à sua frente. Pegou nos talheres com ternura e paciência, galanteou com ela e deu-lhe a refeição à boca. O restaurante pôs-se num silêncio comovido, havia como um retalho de luz a iluminar toda a severidade dos dias. A velha senhora sorriu, agradeceu ao empregado e levantou-se muito digna, quase leve. Pareceu-me à saída do restaurante uma menina.
Não sei onde li que devíamos aprender a escutar como se estivéssemos na orla da praia contemplando o mar, nessa contemplação teríamos encostado ao ouvido um búzio que nos ajudasse a ouvir de perto a dor, o sofrimento dos outros ou conceder-lhes o que de mais precioso temos: o nosso tempo.
Texto de Helena Ferro de Gouveia, retirado do blogue Domadora de Camaleões.
Alice Alfazema