Muros invisíveis
(...) os homens que, como era costume na Idade Média, comiam juntos, tirando a carne com os dedos da mesma tigela, bebendo vinho da mesma caneca, a sopa do mesmo pote ou do mesmo prato, entre outras particularidades comportamentais (...), tinham uns com os outros uma relação diferente da nossa. E essa diferença não residia apenas ao nível da consciência argumentativa; também a vida emocional dessas pessoas tinha uma estrutura e um carácter diferentes. A sua vida afectiva estava orientada para formas de relacionamento e comportamento que, de acordo com o condicionamento operado no nosso mundo, nos parecem hoje repulsivas ou, pelo menos, pouco atraentes. O que no mundo "courtois" ainda não existia ou não era ainda tão marcado era esse invisível muro de afectos que actualmente parece erguer-se entre os corpos, repelindo e separando, essa trincheira que muitas vezes se torna perceptível à simples aproximação de algo que tenha estado em contacto com a boca ou com as mãos de outra pessoa e que se manifesta na repugnância que sentimos só de "olhar" para certas funções do corpo e, muitas vezes, também, só de as ouvir "mencionar", ou no sentimento de vergonha que nos invade quando as nossas próprias funções são expostas ao olhar dos outros.
Norbert Elias, 1989, p.119
Alice Alfazema