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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

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Março dia 18 - Mulheres que trabalham nas escolas públicas

18
Mar17

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Há onze anos que trabalho numa escola pública, como assistente operacional, que antes era chamada de auxiliar de acção educativa. Na entrevista de candidatura perguntaram-me se eu tinha problemas em fazer limpezas, naquele tempo não percebi a insistência na pergunta, alguns meses depois, e durante os anos seguintes senti no corpo a razão daquela pergunta. Cheguei a ter mais de oito salas de aula por limpar, mais a soma da zona de recreio onde abundam árvores, canteiros e lixo espalhado pelo chão.

 

Ainda hoje não sei realmente a verdadeira função de uma assistente operacional na escola, tenho muita dificuldade em perceber o que sou no meu trabalho, às vezes sou varredora, outras empregada de bar, noutras administrativa, sou ainda vigilante e mediadora de conflitos. Também já fui costureira e pintora nos tempos mortos. No entanto, por vezes estou coberta por uma capa invisível como o Harry Potter, às vezes sou bruxa má, noutras sou fada madrinha.

 

Tenho também dificuldade em perceber o porquê de as acções de formação para assistentes operacionais serem praticamente inexistentes ou então resumem-se a primeiros-socorros e à higiene e segurança no trabalho, há ainda outras dificuldades quanto ao salário e à denominação do nome da carreira, por exemplo se eu trabalhasse num politécnico estaria na carreira de assistente técnico,  mas isso são contas de outro rosário...

 

Desta forma decidi pedir às minhas colegas que me definissem o que significa para elas ser assistente operacional numa escola pública, aqui estão as suas palavras, deixo também fotografias que tirei na escola ao longo dos anos e que demonstram como cuidamos da nossa escola que é para nós como uma segunda casa.

 

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É saber aconselhar e dar atenção quando necessário.

 

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É ser pau para toda a obra. É ter de saber fazer de tudo e mais alguma coisa. É ser invisível na maioria dos casos. É dependendo da situação não fazer falta nenhuma.

 

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É estar desmotivada, mas ter ternura para dar.

 

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Ser assistente operacional é participar activamente na comunidade escolar, é participar nas actividades extra curriculares, mas infelizmente não é exactamente essa a realidade.

 

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É como ser dona de casa! Fazer de tudo um pouco e às vezes o seu valor não ser reconhecido. Somos amas, educadoras, enfermeiras, administrativas, empregada de limpeza, vigilantes, confidentes, amigas, jardineiras, telefonistas, cozinheiras.

 

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Nós somos um bocadinho de tudo, ao lidar-mos com meninos com necessidades educativas especiais. Trabalhamos com meninos que andam em cadeira de rodas, que se movem através de andarilhos, que não falam, somos pois enfermeiras, mudamos-lhes as fraldas, damos-lhes de comer, vemos se têm febre, temos de saber actuar caso seja necessário, somos portanto um bocadinho de tudo, enfermeiras, psicólogas, educadoras, mães...

 

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Ser assistente operacional numa escola deveria ser um complemento ao professor na sua ausência; durante os tempos livres zelar pelo bom comportamento dos alunos e auxilia-los quando necessário. Eu assistente operacional, sou empregada de limpeza e criada a tempo inteiro durante as 7h ou mais se necessário quer para professores, pais ou alunos. 

 

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É ser colaboradora dos professores. Para ser mais precisa, envolve tarefas simples como ir buscar um livro de ponto, dar um recado, ou levar um aluno à direção quando está a ser incorreto na aula. É uma profissão que envolve algumas tarefas diversificadas, mas em todos os postos de trabalho temos um contato próximo com alunos que nos permite ser: amigos, confidentes, enfermeiros, psicólogos e alertar os professores para alguns possíveis perigos...quer de maus tratos em casa ou até de bullying. Somos poucos assistentes operacionais, mas sem nós as escolas não podem (não devem) funcionar. Cabe-nos também a tarefa de manter os espaços limpos e em bom estado de conservação.

 

 

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A maioria das  pessoas não tem a noção daquilo que é ser "assistente operacional" numa escola, alguns pensam que levamos o tempo sem fazer nada, mas façam uma simples reflexão: se para educarmos um filho exige muita perseverança imaginem o que é exigido para mais de 700? Algumas pessoas pensam que a escola é simplesmente o "contexto de sala de aula", então no resto do tempo os miúdos desaparecem como que por milagre? E as problemáticas sobre a violência em meio escolar acontecem apenas em "contexto de sala de aula? Tenho-me deparado ao longo dos anos-lectivos com a recepção à comunidade educativa, para quem é a recepção? Adivinhem? Homenagens? A quem? Esta malta não trabalha em contexto de sala de aula. Até o uniforme é uma coisa do além, desde batas às florzinhas, outras aos quadradinhos...será que custava muito definir a coisa a nível institucional? Quanto ao salário, basta o ordenado mínimo nacional, isto porque as tarefas são todas muito básicas. O próprio Estado promove este pensamento retrogrado ao nivelar por baixo estas funções, quanto ao resto da sociedade...experimentem exercer esta função durante seis meses, depois contem-me.

 

Obrigada colegas!  

 

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Um abraço da Alicinha Contina, para todas as continas do mundo e arredores. 

 

 

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

4 comentários

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    Alice Alfazema 28.02.2019

    Bom dia Maria!

    Estou aqui há tantos anos a escrever sobre esta "profissão" e é a primeira vez que alguém da mesma carreira comenta, é isso que me aflige também é a nossa inércia perante aquilo que fazemos profissionalmente. Hei-de falar nisto...

    Bom trabalho
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    Maria Azevedo 28.02.2019

    boa tarde ,
    só posso concordar, temos e devemos ser nós a dignificar a nossa profissão, a escola é a nossa segunda casa, e o nosso papel é cada vez mais importante, apesar de nos sentirmos muitas vezes invisíveis, para alguns não passamos de empregados de limpeza, sou representante do pessoal não docente ao Conselho Geral da escola já alguns anos, e tenho procurado que sejamos vistos como indispensáveis no funcionamento da mesma,.
    obrigada pelo texto
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    Alice Alfazema 28.02.2019

    É isso mesmo Maria, não podemos baixar os braços, primeiro temos que acreditar naquilo que valemos e demonstrá-lo, posso dizer que este ano a minha escola homenageou as auxiliares, fiquei muito feliz, pois há anos que andava a falar sobre isso, no entanto entre as colegas há quem se conforme, que não reconheça que somos parte de uma equipa, ora se pensarmos assim, o que os outros pensarão? É nessa matéria que temos de fazer o clique, afinal já outras profissões o fizeram.
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