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Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Alice Alfazema

Recortes do quotidiano: do meu, do teu, do seu, e dos outros.

Diário dos meus pensamentos (28)

A trela

16
Abr20

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Ilustração Alenka Sottler

 

Pouco a pouco somos informados do que se passa na sociedade, quer seja na realidade global ou naquela em que vivemos à nossa dimensão, são muitas as vezes em que sabemos apenas aquilo que querem que se saiba, se não nos interessarmos estamos sujeitos apenas a uma verdade. Se deixarmos de ser persistentes incutimos nos outros a responsabilidade daquilo que nos sucede. Gente mansa. Há quem pense que ser manso é uma qualidade, para mim é uma consequência, como domesticar um cão, se fizeres o que eu digo, como eu digo, sem refutares, tens uma compensação, e dá-se um lugar, um cargo, uma promoção, uma boa avaliação, uma prenda. Não por mérito, não pelo esforço, não pela criatividade, não pela inteligência, mas por ter obedecido. Uma trela para sempre. Ao longo de todos estes anos a lidar com pessoas tenho aprendido que os que procuram a compreensão das coisas e da vida são os mais desobedientes, são também esses que trazem para a realidade as soluções e são os que criam as estratégias, muitas das vezes incompreendidos, abafados e até ridicularizados, sujeitos também à manipulação da informação prestada pelos obedientes. 

 

Lembro-me então dos que são obrigados a usar trela, ou porque é transitório, ou porque é a única forma de sobrevivência, são questões de vida, depois habituam-se a usá-la, até ela lhes deixar marca, e não serem capazes de a tirar, mas haverá um dia em que explodem e rompem o silêncio, quando já bateram no fundo e nada mais têm a perder, porque muitas das vezes até perderam a seus valores morais, anularam-se deixando de saber o que estão ali a fazer. E é neste impasse que se dá a liberdade, o último reduto, a desconstrução das frases que foram ouvidas e caladas e das acções que deixaram de dar importância. 

 

É quando esgotámos todas as suposições que fizemos e em que deixámos de dar desculpas aos outros e a nós próprios que seguimos  em frente até encontrarmos um novo caminho, ou talvez voltar ao caminho original,  àquele a que tínhamos saudades, saudades de nós e das nossas vontades, é altura de rebentar com a corrente e deixar a trela para quem a queira como recordação. 

 

 

"Todos os silêncios são cúmplices e têm uma quota parte de responsabilidade."

 

Luis Sepúlveda

(4 de Outubro de 1949 - 16 de Abril de 2020)

 

 

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