Déjà vu
Vejo-me a saborear o café tantas vezes com o mesmo sabor. Uma e outra vez. Em diversas versões. A por a manteiga no pão, a rir da mesma forma, com vontade. A empatia pelos outros e a vontade de ajudar. O espírito crítico e a ousadia de querer ser diferente. É como se a minha história já fosse contada e vivida por outros seres, dentro da mesma linha, do mesmo sangue, em outras condições. Como se nos tivéssemos empurrado umas às outras de vida para vida.
E aqui estamos nós, eu e tu agora, mas também já fui eu e tu outrora, num tempo não muito distante, em que eu te lia para tu ouvires, e mais uma vez me repito, tantas vezes para ti, e para ti, coisas de mim e dos outros, coisas para outros, coisas que não sabias ler, mas querias saber. As tuas mãos nas minhas, já foram enrugadas e macias, como são as rugas, já foram magras e ossudas como são as das pessoas que lutam pela saúde. Agora são jovens e leves, pequenas como foram todas.
Caminhamos sempre a falar, nunca fizemos longos silêncios, nem mesmo quando a vida nos impunha. Não chorávamos, riamos, riamos muito, tal como o fazemos hoje, só nós as duas. Apreciamos a vida sempre, vemos soluções, animamo-nos. Gostamos de nos abraçar, de mimo. Somos iguais em tempos diferentes. Serei eu a próxima a ter as mãos enrugadas, apesar de tu me dizeres que tenho a pele macia, serei eu e tu para sempre num caminho diferente. Caminhamos em vidas paralelas, mas juntas, num determinado tempo. Eu, tu e elas.
À minha avó, à minha mãe, à minha filha
As magníficas ilustrações são de Ilaria Urbinati