As árvores dos nossos dias e das nossas cidades
Setúbal - Portugal
Era um início de uma tarde solarenga de fevereiro, no meio do minúsculo largo ladeado de casas pequenas e coloridas erguiam-se dois altivos troncos, no alto deles umas ralas folhas verdes tinham nascido havia pouco tempo, aquilo que se podia chamar de ramos tinha agora a grossura de um dedo, plantados ali há vários anos lado a lado com um assento à sua outrora sombra, mostravam-se sem querer despojados da sua dignidade, parecendo mãos tortas erguendo-se da pedra, nenhum pássaro ali poderá fazer ninho, ou abrigar-se da torrente de sol do Verão, o bafo azarento perdura no largo.
Das pedras encardidas do largo sobressaem algumas pintadas com desenhos alusivos a desejos ou gostos, não sei bem, misturam-se os gostos com os desejos e talvez sejam objectivos. Olhando para aquelas mãos tortas erguidas ao céu, vejo que não concretizaram o seu objectivo de vida, foram obrigadas a ficar-se pelos sonhos, sentindo-lhes a vergonha de se mostrarem assim, despojadas da sua majestosidade, sem sentido, ausentes de vida, moribundas perante as paredes centenárias da baixa da cidade.
As pessoas afastam-se apressadas daquele largo, olham cabisbaixas as pedras encardidas pela caca dos pombos, passam pelos troncos sem nada verem, o banco continua vazio, as mãos parecem erguer-se ao céu numa prece, numa prece muda aos nossos ouvidos, mas bem visível aos olhos de quem quer ver.